Restrições à Dedutibilidade do Ágio no Âmbito da Medida Provisória nº 627 Relativamente às Operações entre Partes Dependentes

por Mauro da Cruz Jacob
Sócio do Escritório Gaia Silva Gaede & Associados Advocacia e Consultoria Jurídica
Advogado e Contador pela Universidade Estácio de Sá
Pós Graduado em Finanças pela Universidade Federal Fluminense
Professor Universitário

 

A dedutibilidade fiscal do ágio, derivado da aquisição de participações societárias é um tema que, há muito, vem sendo tratado com atenção; pelos contribuintes, face os seus reflexos no grau de retorno proporcionado pelos investimentos; e por parte da Administração Fazendária, sob o prisma da arrecadação, já que a dedução legalmente permitida pode afetar substancialmente a base de recolhimento dos tributos calculados sobre o resultado das pessoas jurídicas.

Em outra oportunidade, havíamos comentado sobre a necessidade de observância das regras societárias atuais, no que diz respeito aos critérios de desdobramento do custo de aquisição de participações societárias. Naquela ocasião, destacamos que o valor caracterizado como ágio (goodwill), deve corresponder, estritamente, à parcela do custo não atribuída a qualquer elemento vinculado à transação, no caso o valor justo (mais-valia ou menos-valia) dos respectivos ativos e passivos identificados, inclusive intangíveis. Essa metodologia de desdobramento encontra disciplina fiscal específica no âmbito da Medida Provisória nº 627, de 11.11.13.

Dentre os diversos detalhes abordados pela citada MP, cujo texto contempla o tratamento fiscal aplicável aos procedimentos de apresentação e mensuração de participações societárias, consoante as práticas internacionais, merece destaque as principais restrições impostas à dedutibilidade de parcelas do custo de aquisição, denominadas como goodwill (o ágio propriamente dito) ou desdobrada como mais-valia de ativos e passivos identificados.

É de se observar, primeiramente, que a dedutibilidade dessas parcelas, independente de qualquer aspecto, estará sempre condicionada à ocorrência de evento que resulte na liquidação ou alienação da participação societária. Essa regra foi mantida no artigo 33, do Decreto-Lei nº 1.598/77, na nova redação conferida pela MP nº 627, observados os procedimentos aplicáveis em cada caso.

No entanto, a nova disciplina fiscal, no tocante às operações de fusão, cisão ou incorporação, permite a dedutibilidade de valores alocados como mais-valia ou como goodwill, restritamente aos casos em que a aquisição da correspondente participação tenha se operado entre “partes não dependentes”, conforme estabelecem os artigos 19 e 21, ambos, da MP nº 627/13.

Essa primeira limitação, de caráter objetivo, tem clara relação e origem nas práticas internacionais, pelo o que, via de regra, o desdobramento de parcelas do custo de aquisição de participações societárias é admitido sob o pressuposto de que a transação tenha sido realizada entre partes independentes[1].

 Nos termos do artigo 24, da MP nº 627, as seguintes situações qualificam a dependência entre as partes: 

  • ·Controle comum, direto ou indireto, entre o adquirente e o alienante;
  • ·Relação de controle entre o adquirente e o alienante;
  • ·Alienante que apresente a condição de sócio, titular, conselheiro ou administrador da pessoa jurídica adquirente;
  • ·Quando houver grau de parentesco ou afinidade (até o terceiro grau), por parte do alienante, ou se este se qualificar como cônjuge ou companheiro das pessoas relacionadas ao adquirente; ou
  • ·A existência de qualquer outra relação, não descrita anteriormente, que permita inferir dependência entre as pessoas jurídicas envolvidas, ainda que de forma indireta.

De modo geral, as hipóteses descritas no citado dispositivo buscam qualificar a “dependência” a partir de relações de ordem societária, formalmente estabelecidas entre as partes, e claramente conformadas às definições constantes da legislação societária. Nesse caso, o alcance e a extensão do termo “controle”, empregado nos dispositivos da MP, deve ser àquele constante do artigo 243[2], da Lei nº 6.404, de 15.12.76 (LSA).

As situações eventualmente enquadradas no conceito de “dependência”, e que resultam restrição à dedutibilidade fiscal[3], estão, igualmente, ligadas ao pressuposto do desdobramento do custo de aquisição das participações societárias, na medida em que a existência de controle prévio, salvo no caso de aquisição em estágios[4], tende a afastar a possibilidade de reconhecimento de parcelas do respectivo custo. Logo, a condição objetiva para a dedutibilidade, que é a aquisição de participação entre partes não dependentes, está condicionado à ausência de controle, por qualquer uma das formas legalmente descritas.

Ainda, nesse contexto, chama atenção a hipótese descrita no inciso V, do referido artigo 24 (MP 627), incluindo a eventual situação de existência de qualquer outra relação que permita inferir dependência entre as pessoas jurídicas envolvidas, ainda que de forma indireta.

Embora as hipóteses tipificadas como dependência, resultem de condições objetivas, cujos termos e expressões encontram definição jurídica própria, para esse último caso, o legislador preferiu estabelecer uma espécie de “norma aberta[5]” ou de conceito jurídico indeterminado.

Mesmo que se admita eventual dificuldade de ordem prática para o devido enquadramento em cada caso, o objetivo da regra não foi outro, senão alcançar àquelas situações que, materialmente, representem o mesmo grau de dependência que seria identificado através da existência de controle formalmente estabelecido por meio de participação societária.

Para melhor compreensão da regra e de forma ilustrativa, pode ser vislumbrada a hipótese de exercício de direitos através de estruturas diversas que permitam influenciar diretamente os rumos de uma sociedade. Por exemplo, a emissão de títulos obrigacionais de qualquer espécie que permitam ao seu titular estabelecer restrições de ordem operacional ou financeira, ou o exercício do direito de conversão em ações sob determinadas condições, cuja consequência final seria a aquisição do controle. Em outra análise, a existência de acordo comercial ou operacional, estabelecendo exclusividade de modo a gerar dependência econômica para uma ou mais partes envolvidas, também seria, em tese, uma hipótese passível de enquadramento na regra em comento.

Uma conclusão que pode ser extraída, relativamente ao alcance da regra, é que o legislador buscou prevalência da essência, sendo irrelevante a forma adotada, desde que existente evidência de dependência por quaisquer dos meios juridicamente possíveis.

Por outro lado, não se pode admitir que o conceito, mesmo que indeterminado, seja aplicado de forma arbitrária por parte da Administração Fazendária, com o objetivo de restringir a dedutibilidade fiscal em qualquer hipótese.

Uma delimitação aceitável para o conceito trazido pela norma é que a “dependência”, eventualmente existente entre as partes, tenha cunho, essencialmente, econômico, de modo que a extinção da relação existente redunde solução de continuidade para uma das partes ou reduza substancialmente a sua atuação no respectivo segmento de negócio.

Assim, a análise detalhada desse aspecto, dentre outros, se torna primordial em qualquer processo que envolva a aquisição ou reestruturação de participações societárias, cujos impactos fiscais sejam relevantes para as organizações.

As normas introduzidas a partir da Medida Provisória nº 627/13, objetivando disciplinar a dedutibilidade fiscal do custo de aquisição de participações societárias, é tema que merece cuidadosa análise, face à aplicação de conceitos jurídicos e econômicos diversos. No âmbito das novas regras se destaca, dentre outras, a restrição à dedutibilidade, das parcelas do ágio (goodwill) e da mais-valia, relativamente às operações que envolvam a fusão, cisão e incorporação de participações, cuja aquisição tenha sido operada entre partes dependentes.

As hipóteses legalmente estabelecidas para qualificação de dependência entre as partes, adquirente e alienante, remetem ao conceito de controle, cujo termo encontra definição jurídica própria em dispositivos da legislação societária. Ainda, de acordo com esse conceito, qualquer outra relação que redunde dependência entre as partes resulta em restrição à dedutibilidade fiscal.

Embora ausente qualquer determinação expressa para essa última hipótese, a dependência mencionada pelo respectivo dispositivo deve ser delimitada pela existência de cunho econômico, aspecto essencial à sua interpretação, de modo a afastar eventuais arbitrariedades quando da aplicação da norma.



[1] As regras de mensuração e desdobramento do custo de aquisição seguem a orientação constante do Pronunciamento nº 15 (R1), do Comitê de Pronunciamentos Contábeis, cuja correspondência internacional é encontrada no IFRS 3, da International Accounting Standards Board (IASB).

[2] Nos termos do art. 243, §2º, da Lei nº 6.404/76 “Considera-se controlada a sociedade na qual a controladora, diretamente ou através de outras controladas, é titular de direitos de sócio que lhe assegurem, de modo permanente, preponderância nas deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores”.

[3] Especialmente para os casos que envolvam operação de fusão, cisão ou incorporação.

[4] A aquisição de participação societária em estágios é uma hipótese submetida à disciplina específica, tanto no âmbito das regras societárias, como nos termos da Medida Provisória nº 627/13.

[5]As “normas abertas”, de certo modo, são caracterizadas pela existência de definição ampla, permitindo ao seu intérprete alcançar grande amplitude, contudo, delimitada de acordo com as circunstâncias de cada situação.