International Standard Serial Number: ISSN 2357-9293

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Dos recentes posicionamentos da Receita Federal do Brasil acerca dos contratos de rateio de custos e despesas

por Wilson Rodrigo Vieira da Silva
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie
Especialista em Direito Tributário pela mesma Universidade
Gerente Tributário da General Electric do Brasil

 
As discussões acerca do tratamento tributário, no Brasil, relativo aos contratos de compartilhamento de custos e despesas não são novas. De fato, a doutrina já aborda o assunto há algum tempo e tanto o posicionamento da Receita Federal do Brasil quanto o entendimento da jurisprudência administrativa tem variado ao longo do tempo.

Em linhas gerais, ao compartilhamento dos custos e despesas administrativos comuns entre sociedades pertencentes a um mesmo grupo econômico, que foram inicialmente concentrados em uma única sociedade dá-se o nome de rateio de despesas.

Com efeito, com o fenômeno da globalização, a gestão das atividades administrativas ou de back-office por uma única entidade do grupo econômico situada no exterior, em favor de suas coligadas ou controladas localizadas no País, ganha maior volume e importância como forma de agilidade e eficiência no controle de custos.

Nesse modelo de administração, a sociedade-líder incorrerá em todos os gastos necessários para desenvolvimento da atividade necessária e depois os compartilhará,  por meio de critérios objetivos de rateio, entre as pessoas jurídicas desse grupo que sejam beneficiárias de tal atividade.

No Brasil, o tema “rateio de despesas” sempre gerou polêmica em relação à interpretação e aplicação da legislação tributária para essa atividade. São inúmeros os pontos obscuros, como, por exemplo, a possibilidade e os critérios a serem adotados para fins de dedutibilidade da despesa na entidade beneficiária, o tratamento da receita decorrente do rateio na pessoa jurídica líder e até mesmo a natureza do rateio de despesas, com desdobramentos, por exemplo, na aplicabilidade de preços de transferência.

Nesse sentido, como acontece com toda a legislação que dá margem a diversas interpretações, entra em ação o perigoso critério subjetivo do Fisco, que, por vezes, acaba distorcendo certos conceitos e adotando entendimentos no mínimo questionáveis, como se denota, por exemplo, da leitura das Soluções de Consulta nº 23/08 (D.O.U. 20.08.2008) e nº 84/11 (D.O.U. 01.09.2011), as quais equiparam o pagamento relativo ao rateio de despesas à remuneração por prestação de serviços.

Contudo, recentemente, o assunto voltou à tona com as publicações da Solução de Consulta nº 08/2012 (D.O.U. 08.11.2012) e da Solução de Divergência COSIT nº 23/2013 (D.O.U. 12.12.2013), ambas proferidas pela COSIT[1], e que trazem entendimentos interessantes tanto para contratos de rateio de despesas internacionais (no caso da Solução de Consulta nº 08/12), como aqueles envolvendo sociedades no Brasil (no caso da Solução de Divergência nº 23/2013).

Dessa forma, longe de pretender esgotar o assunto, esse artigo tem por intuito trazer comentários acerca de alguns dos pontos mais relevantes associados ao tema e que foram abordados por tais atos:

 Dedutibilidade das despesas rateadas:

Para que se permita a dedutibilidade dos custos e despesas compartilhados entre as sociedades do grupo econômico, os referidos atos bem resumem quais os critérios a serem observados, quais sejam: a) que correspondam a custos e despesas necessárias, normais e usuais, devidamente comprovadas e pagas; b) que sejam calculados com base em critérios de rateio razoáveis e objetivos, previamente ajustados, formalizados por instrumento firmado entre os intervenientes; c) que correspondam ao efetivo gasto de cada empresa e ao preço global pago pelos bens e serviços; d) que a empresa centralizadora da operação aproprie como despesa tão-somente a parcela que lhe cabe de acordo com o critério de rateio, assim como devem proceder de forma idêntica as empresas descentralizadas beneficiárias dos bens e serviços, e contabilize as parcelas a serem ressarcidas como direitos de créditos a recuperar; e, finalmente, e) que seja mantida escrituração destacada de todos os atos diretamente relacionados com o rateio das despesas administrativas.

Tal entendimento, ao nosso ver, consolida de maneira positiva uma tendência da Receita Federal do Brasil em passar a admitir a dedutibilidade das despesas rateadas, uma vez que sejam atendidos os critérios de razoabilidade e necessidade, sejam suportadas por documentação hábil e idônea e, não menos importante, sejam as despesas compartilhadas com base em critérios objetivos.

Com efeito, a jurisprudência do antigo Conselho de Contribuintes é majoritária no sentido de aceitar a dedutibilidade das despesas rateadas, contanto que o critério para compartilhamento adotado seja objetivo e previamente determinado, nos termos da ementa a seguir transcrita:

“(...) CUSTOS, DESPESAS OPERACIONAIS E ENCARGOS. SERVIÇOS CENTRALIZADOS. RATEIO. DEDUTIBILIDADE.  Os serviços ou atividades que venham de ser executados de forma a atender a mais de um empreendimento pertencente ao mesmo Grupo Econômico, quando rateados seus custos ou despesas entre as diversas beneficiárias, mediante utilização de critérios objetivos e previamente estabelecidos, podem ser deduzidos como despesas operacionais”. (Acórdão 101-93.716, de 22/01/2002)

Nesse sentido, o critério adotado deverá demonstrar a efetividade da despesa. Como exemplos, podemos citar a elaboração de planilha de controle horas/homem (time sheet) no caso de despesas relacionadas ao trabalho profissional, ou o controle da ocupação de cada sociedade por metro quadrado, no caso do compartilhamento de espaço físico, dentre outros.

 Incidência de Contribuição ao PIS, COFINS e ISS sobre os ingressos percebidos pela sociedade-líder

 Com relação a esse tema, a Solução de Divergência nº 23/2013 assevera que os valores auferidos pela pessoa jurídica residente e centralizadora das atividades compartilhadas como reembolso das demais pessoas jurídicas integrantes do grupo econômico pelo pagamento dos dispêndios comuns não integram a base de cálculo das contribuições em lume apurada pela pessoa jurídica centralizadora.

Aqui, mais uma vez entendemos haver um importante avanço no que tange ao entendimento da Receita Federal do Brasil quanto à natureza dos ingressos recebidos pela sociedade-líder como reembolso de despesas incorridas, uma vez que tais valores não são receitas, e sim meros ingressos, conforme as lições de Geraldo Ataliba[2] e Ricardo Mariz de Oliveira[3].

Sendo assim, tais montantes percebidos não podem ser base de cálculo da Contribuição ao PIS e da COFINS, uma vez que não se subsumem ao critério material da hipótese de incidência de tais tributos (qual seja, auferir receita) e tampouco devem sujeitar-se à incidência do ISS, uma vez que, não havendo cobrança de margem e sim mero repasse de custos e despesas, não pode ser qualificado como preço do serviço, esse sim base de cálculo do referido imposto.

Importande destacar que, nesse sentido, não seria cabível cogitar-se a possibilidade do rateio de despesas relacionadas com atividades que estão dentro do propósito da sociedade (atividade-fim), uma vez que, uma vez ocorrendo, não se estaria tratando de outra coisa senão verdadeira prestação de serviços[4].

 Sujeição às regras de preços de transferência

 No que tange à aplicação das regras de preços de tranferência em contratos de rateio de custos e despesas internacional, a Solução de Consulta nº 08/12 traz o seguinte entendimento: “aplica-se o Método dos Preços Independentes Comparados (PIC) ou o Método do Custo de Produção Mais Lucro (CPL), caso se comprove que as disposições do contrato sejam inconsistentes com as características de contratos de compartilhamento de custos e despesas. São características de contratos de compartilhamento de custos e despesas: a) a divisão dos custos e riscos inerentes ao desenvolvimento, produção ou obtenção de bens, serviços ou direitos; b) a contribuição de cada empresa ser consistente com os benefícios individuais esperados ou recebidos efetivamente; c) a previsão de identificação do benefício, especificamente, a cada empresa do grupo. Caso não seja possível assumir que a empresa possa esperar qualquer benefício da atividade desenvolvida, tal empresa não deve ser considerada parte no contrato; d) a pactuação de reembolso, assim entendido o ressarcimento de custos correspondente ao esforço ou sacrifício incorrido na realização de uma atividade, sem parcela de lucro adicional; e) o caráter coletivo da vantagem oferecida a todas as empresas do grupo; f) a remuneração das atividades, independentemente de seu uso efetivo, sendo suficiente a ‘colocação à disposição’ das atividades em proveito das demais empresas do grupo; g) a previsão de condições tais que qualquer empresa, nas mesmas circunstâncias, estaria interessada em contratar”.

Primeiramente, interessante destacar que tal posicionamento é contrário a entendimento já exarado pela própria Cosit, na Solução de Consulta nº 15/08, o que, ao nosso ver, demonstra verdadeira evolução, uma vez que, conforme o ato mais recente, estando presentes as características listadas pela decisão nas letras “a” a “g”, as regras de preços de transferência não seriam aplicáveis.

Tal posicionamento faz todo sentido na medida que os custos e despesas incorridos e remetidos ao exterior com base em um contrato de rateio não dizem respeito ao pagamento pela prestação de serviços, esse sim objeto das regras de preços de transferência.

Portanto, é possível depreender que, após diversas manifestações em sentido contrário, a Receita Federal do Brasil parece demonstrar evolução em seu entendimento quanto aos contratos de rateio de custos e despesas, tanto a fim de autorizar a dedutibilidade dos gastos objeto desses contratos, como no que concerne à natureza dos pagamentos e recebimentos envolvidos. 



[1]Segundo o artigo 82 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal, compete à Cosit: “I - gerenciar a elaboração, o aperfeiçoamento, a regulamentação, a consolidação, a simplificação e a disseminação da legislação tributária;  II - gerenciar, em colaboração com a Suari, a elaboração, o aperfeiçoamento, a regulamentação, a consolidação, a simplificação e a disseminação da legislação aduaneira e correlata;  III - analisar projetos de emenda à Constituição, projetos de lei e medidas provisórias, em todas as fases do processo legislativo, bem como minutas de decretos e outros atos complementares de iniciativa de órgãos do Poder Executivo, sem prejuízo da realização de idênticas atividades pelas demais Subsecretarias no que diz respeito às matérias de suas competências;  IV - analisar as proposições e estudos de natureza tributária, aduaneira e correlata apresentados por entidades governamentais, sociais e empresariais, sem prejuízo da realização de idênticas atividades pelas demais Subsecretarias no que diz respeito às matérias de suas competências; e V - manifestar-se sobre proposta de atribuição de efeito vinculante à súmula do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF, em colaboração com a Cocaj”.

[2]O conceito de receita refere-se a uma espécie de entrada. Entrada é todo o dinheiro que ingressa nos cofres de uma entidade. Nem toda entrada é uma receita. Receita é a entrada que passa a pertencer à entidade. Assim, só se considera receita o ingresso de dinheiro que venha a integrar o patrimônio da entidade que recebe” (in ATALIBA, Geraldo. ISS e Base Imponível. Estudos e Pareceres de Direito Tributário, 1º vol, Revista dos Tribunais, São Paulo: 1978, p. 88)

[3] “(...) receita é algo novo, que se incorpora a um determinado patrimônio. Por conseguinte a receita é um ‘plus jurídico’ que se agrega ao patrimônio.” (in OLIVEIRA, Ricardo Mariz. Conceito de Receita como Hipótese de Incidência das Contribuições para a Seguridade Social (para Efeitos da COFINS e da Contribuição ao PIS), 1ª Quinzena de Janeiro de 2001 — nº 1/2001 — Caderno 1. São Paulo: IOB, p. 21)

[4] Nesse mesmo sentido, BIFANO, Elidie Palma. “Apuração de preços de transferência em intangíveis, contratos de prestação de serviços intragrupos e cost sharing agreements”. in Tributos e Preços de Transferência. Vol. III. São Paulo: Dialética, 2010, p. 45; GALHARDO, Luciana Rosanova. Rateio de despesas no Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 18; e LESSA, Donovan Mazza; FONSECA, Fernando Daniel de Moura; e LIMA, Daniel Serra. “Novas perspectivas sobre o rateio de despesas à luz do entendimento do Carf e da Receita Federal do Brasil”. in Revista Dialética de Direito Tributário nº 211. São Paulo: Dialética, p. 33.