International Standard Serial Number: ISSN 2357-9293

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Análise da tributação da aquisição de softwares via download, em operação interna ou internacional, à luz da jurisprudência atual

por Diana Rodrigues Prado de Castro
Graduada em Direito pela Universidade Federal Fluminense (UFF)
 Pós-graduanda em Direito Tributário pela FGV
 Advogada do escritório Tauil & Chequer Advogados Associado a Mayer Brown LLP

 

Introdução

A tributação de software via download, seja no mercado interno ou externo, ainda é alvo de diversas discussões no mundo jurídico, tendo em vista, sobretudo, o fato de a legislação tributária brasileira não estar totalmente adequada para enfrentar o tema e fornecer, consequentemente, maior segurança jurídica aos contribuintes.

Neste contexto, é importante analisar, primeiramente, o conceito estabelecido na Lei nº 9.609/98, que dispõe sobre a proteção da propriedade intelectual de programa de computador, ao determinar que o programa de computador, denominado também de software, é “a expressão de um conjunto organizado de instruções em linguagem natural ou codificada, contida em suporte físico de qualquer natureza, de emprego necessário em máquinas automáticas de tratamento da informação, dispositivos, instrumentos ou equipamentos periféricos, baseados em técnica digital ou análoga, para fazê-los funcionar de modo e para fins determinados.”

Assim, o software, nos termos acima, caracteriza-se como uma criação intelectual, bem imaterial, que não se confunde com o suporte utilizado para que ele seja difundido.

Já o artigo 9º da referida lei estabelece que o uso do programa de computador deverá ser objeto de contrato de licença[1]. Nos termos do referido dispositivo, verifica-se que a disponibilização de softwares caracteriza-se, via de regra, por ser um contrato de licença de uso, através do qual o adquirente não se torna proprietário do software, mas tão somente detém uma licença para utilizá-lo.

Neste contexto, no que tange à caracterização do software, as jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça classificaram-no utilizando como critério sua forma de produção, parâmetro este utilizado para distinguir as aplicáveis formas de tributação. Assim, conceituou-se como software de prateleira aquele produzido em escala e vendido a varejo, enquanto o software por encomenda seria um software customizado, elaborado de acordo com as necessidades específicas de seu usuário.

Feitas estas considerações preliminares, quanto à definição e classificação do software, passemos a analisar a tributação das aquisições de software, especificamente via download, tanto no mercado interno, quanto no externo.

Evolução do entendimento dos Tribunais Superiores ao longo do tempo

Quando enfrentou o assunto, através do RE 176.626/SP[2], o Supremo Tribunal Federal entendeu, à luz do Decreto Lei nº 406/68, que a operação de licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computador, estaria  sujeita à incidência do Imposto sobre Serviços - ISS[3], enquanto a comercialização do software padronizado, ao ICMS.

Enfrentando novamente a matéria, em julgamento mais recente (em sede de Medida Cautelar na ADI 1945[4]), o STF concedeu novo tratamento ao tema, ao analisar a tributação do ICMS na disponibilização de softwares especificamente via download. Entendeu-se que o meio pelo qual são disponibilizados os programas de computador não deve descaracterizar a natureza da operação, que no caso tratava-se de circulação de mercadoria[5].

Considerando que o caso acima ainda não foi definitivamente julgado pelo Pretório Excelso, faz-se oportuno analisar, por ora, o entendimento que vem sendo adotado pelas Autoridades Fiscais e Tribunais Administrativos, tanto nas operações internas quanto internacionais.

Aquisição de software em operações internacionais

Há alguns anos os contribuintes e as autoridades fiscais protagonizam uma disputa incessante em relação à efetiva natureza jurídica dos valores remetidos ao exterior, por empresas brasileiras, a título de licenciamento de software. O cerne da discussão baseia-se no enquadramento dos licenciamentos de software como pagamentos por serviços prestados ou, por outro viés, como uma licença de uso de direitos autorais.

Em caracterizando-se estas remessas ao exterior como contraprestações por um serviço prestado, os contribuintes estariam sujeitos à incidência do IRRF, ISS, PIS e COFINS - Importação. Contudo, caso as operações sejam efetivamente caracterizadas como remessas a título de royalties, apenas IRRF e CIDE tornar-se-iam aplicáveis.

Neste contexto, a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF)[6] e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF)[7] vêm demonstrando entendimento no sentido de que os contratos de licença de uso de software preveem, em sua essência, remessas de royalties ao exterior.

A base de seus argumentos fundamenta-se a partir da leitura do artigo 7º, XIII da Lei nº 9.610/98, assim como artigos 9º, 10 e 11 da Lei nº 9.609/98. De acordo com o artigo 7º, XII da Lei nº 9.610/98, os programas de computador são incluídos entre as obras intelectuais com direitos autorais protegidos[8], enquanto a Lei nº 9.609/98 prevê que os direitos autorais sobre um programa de computador poderão ser transferidos mediante contrato de uso, comercialização e de transferência de tecnologia[9].

O que pretende-se demonstrar é que os direitos de comercialização dos softwares são, em seu âmago, direitos autorais, sendo passíveis de transferência ou cessão de uso, o que consequentemente significa que a contraprestação na cessão de uso de um software nada mais é do que uma remuneração a título de royalties[10].

Em sendo royalties, as remessas ao exterior sob esta natureza ensejarão o recolhimento de CIDE[11] e IRRF.

Neste diapasão, para que as operações se enquadrem na hipótese de incidência dos tributos acima, insta observar a natureza do software sob análise: (i) se software de prateleira[12], a princípio prepondera seu perfil de mercadoria e sofrerá a respectiva tributação pelo Imposto de Importação, Imposto sobre Produtos Industrializados, Contribuições para o PIS e a COFINS, ICMS, (ii) se software customizado, será enquadrado como objeto de uma cessão de direitos autorais (remessa de royalties) e assim tributado pelo IRRF e CIDE.

Dizemos a princípio, pois, especificamente na aquisição de software de prateleira através de download, a Receita Federal[13] vem demonstrado entendimento diametralmente oposto, desconsiderando a tributação também pelo Imposto de Importação – II[14], IPI[15], IRRF12, PIS e COFINS12.

Comercialização de software em operações internas

No que tange à tributação na venda de software em operações internas, a Receita Federal vem entendendo que, independente do meio em que forem comercializados (suporte físico ou download) as operações de venda de software de prateleira estarão sujeitas à incidência de IRPJ e CSLL[16].

Assim, a contrario sensu, podemos entender que os softwares por encomenda, ainda que sob download, serão tributados como serviços, estando elencados no item 1.05 - Licenciamento ou cessão de direito de uso de programas de computação, da lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, e sendo, consequentemente, tributáveis pelo Imposto sobre Serviços -  ISS.

Especificamente quanto ao ICMS, conforme exposto anteriormente, ainda que não haja previsão na legislação estadual para tributação destas operações, o STF demonstra estar mudando radicalmente seu entendimento, ao autorizar, em medida cautelar, a tributação do ICMS sobre aquisições de software via download no Estado do Mato Grosso[17]. Caso esta posição se consolide no julgamento definitivo do caso, as autoridades fiscais federais provavelmente adotarão a mesma linha de entendimento, passando a tributar estas operações por IPI, PIS, COFINS.

Todavia, cabe ressaltar que o entendimento que vem sido adotado pelas autoridades fiscais e tribunais administrativos merece ressalvas. Primeiramente, pela ausência de base legal expressa acerca da incidência do ICMS sobre softwares adquiridos via download. 

Adicionalmente, quanto à tributação pelo ISS, ainda que haja previsão expressa no item 1.05 da lista anexa à Lei Complementar, questiona-se se há, de fato, uma efetiva prestação de serviço (no sentido de uma obrigação de fazer), considerando essencialmente que o cerne da cessão de uso de software não abrange uma obrigação de dar, não há a criação de novo software e sim a mera cessão de seu uso.

Assim, a tributação pelo ISS, especificamente nas operações via download, também enfrenta obstáculos, tendo em vista sobretudo a dificuldade em se determinar o aspecto espacial do imposto e qual município faria jus ao imposto porventura devido.

Conclusão

Em que pese não termos, ainda, uma legislação tratando especificamente acerca do assunto, vem se consolidando na jurisprudência o entendimento de que, ainda que o software não possua um respectivo suporte físico (ou seja, aquisição via download), o tratamento tributário respeita a distinção entre as formas de software.

Assim, softwares de encomenda permanecem sob a mesma tributação, independentemente de sua aquisição ter sido via download ou através de um suporte físico. Já os softwares de prateleira, por ausência de previsão legal, não são tributados como mercadoria nas operações internacionais. Nas operações internas, todavia, as autoridades fiscais federais ainda mantêm a tributação respectiva.

Contudo, entendemos que há argumentos para descaracterizarmos a tributação pelo ISS em casos de software customizado e adquirido via download, considerando a manifesta ausência de uma obrigação de fazer nestas operações, caracterizando-se tão somente uma cessão de uso, além da impossibilidade de estabelecer-se o critério espacial da hipótese de incidência do imposto.



[1]“Artigo 9º. O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.”

 

[2]  RE 176.626, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 10/11/1998

[3] A discussão deu-se em torno da incidência de ICMS e ISS, motivo pelo qual a incidência de outros tributos não foi abordada pelo Pretório Excelso.

[4] “ADI 1945 MC, Relator (a): Min. OCTAVIO GALLOTTI, Relator (a) p/ Acórdão: Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 26/05/2010.

[5] Analisou-se, especificamente, os denominados “softwares de prateleira”.

[6] Conforme Acórdão nº 9303­01.864 da Câmara Superior de Recursos Fiscais. Sessão de 06.03.2012. Relator Conselheiro Henrique Pinheiro Torres.

[7] Conforme Acórdão nº 3201-001-518. 2ª Câmara. 1ª Turma Ordinária. Sessão de 27.11.2013. Relator Conselheiro Carlos Alberto Nascimento e Silva Pinto.

[8] “Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixada sem qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como: [...]

XII ­ os programas de computador”

[9] “Art.9º O uso de programa de computador no País será objeto de contrato de licença.

[10] Nos termos do art. 52 do RIR/99: “constituem rendimentos de qualquer espécie decorrentes de uso, fruição ou exploração de direitos, tais como: d) direitos autorais” (...)”

[11] Especificamente no que diz respeito à CIDE-Royalties, deverá haver a efetiva transferência de tecnologia para que a contribuição possa incidir, conforme artigo 2º, §1º-A da Lei nº 10.168/2000.

[12] Conforme Solução de Consulta nº 135, de 06 de Novembro de 2012

[13] Importante salientar que o assunto vem sendo discutido no STF, no tocante à tributação pelo ICMS, através da ADI 1945. Aguarda-se o julgamento do caso.

[14] Conforme Solução de Consulta nº 421, de 30 de Novembro de 2010.

[15] Conforme Solução de Consulta nº 149, de 05 de Agosto de 2013.

[16] Conforme Solução de Consulta nº 35, de 16 de Julho de 2012°.

[17] A discussão está sendo tratada na ADI nº 1945.