Aspectos tributários em operações de incorporação imobiliária: A tributação das operações de permuta no lucro presumido

por Giancarlo Chamma Matarazzo
Sócio da Área Tributária de Pinheiro Neto Advogados
Tiago Moreira Vieira Rocha
 Advogado da Área Tributária de Pinheiro Neto Advogados

 

Os últimos anos foram marcados pelo expressivo crescimento do mercado imobiliário brasileiro. O desenvolvimento das empresas nacionais e a entrada de novos investidores estrangeiros nas mais diversas áreas da economia elevaram a procura de novos espaços comerciais nos espaços urbanos. Além disso, a melhoria nas condições de vida da população, o maior acesso ao crédito e as novas políticas públicas para o desenvolvimento de moradia popular resultaram em significativa ampliação dos empreendimentos com finalidades residenciais.

Trata-se de segmento estratégico para o desenvolvimento econômico nacional, em razão do potencial de geração de empregos diretos e da movimentação da cadeia de suprimentos voltada para a construção civil.

Uma das características deste segmento é a necessidade de obtenção de fontes de financiamento para a cobertura dos elevados custos envolvidos nas etapas iniciais de construção. Isto porque a obtenção de receitas (geração de caixa) inicia-se apenas com a efetiva comercialização das unidades imobiliárias.

Dentre os mecanismos de alavancagem das empresas do setor de incorporação imobiliária, loteamento de terrenos ou construção de prédios destinados à venda, encontra-se a permuta de unidades imobiliárias (construídas, em construção ou até mesmo em fase de projeto) com os proprietários de terrenos. No lugar de desembolsar expressivo caixa antes do início da efetiva incorporação, construção ou loteamento, é comum que as empresas optem por realizar uma permuta de unidades imobiliárias do seu portfolio pela propriedade dos terrenos onde serão desenvolvidos os empreendimentos imobiliários.

Apesar de todo o esforço do setor privado e do poder público nas melhorias das condições de financiamento e desenvolvimento do mercado imobiliário, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) emitiu recentemente o Parecer Normativo nº 9, de 4.9.14 (“PN 9/14”), com a formalização do entendimento de que o valor do imóvel recebido em permuta (e da torna, se aplicável) deve integrar a receita bruta das empresas que apurem o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (“IRPJ”) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSL”) na sistemática do lucro presumido. Esta tributação deve ocorrer segundo o regime de competência (período de apuração da celebração da permuta) ou de caixa (no período de apuração do recebimento do imóvel dado em permuta).

 O entendimento da RFB está fundamentado nos seguintes argumentos: (i) a Instrução Normativa nº 107, de 10.9.1988 (“IN 107/88”) aplica-se exclusivamente às sociedades que apuram o IRPJ e a CSL na sistemática do lucro real, de forma que não se aplica ao lucro presumido a regra de que “no caso de permuta sem pagamento de torna, as permutantes não terão resultado a apurar, uma vez que cada pessoa jurídica atribuirá ao bem que receber o mesmo valor contábil do bem baixado em sua escrituração”; (ii) nos termos do Artigo 533 do Código Civil, devem ser aplicadas à permuta as disposições referentes à compra e venda, razão pela qual o valor do imóvel recebido com a permuta deve integrar a base de cálculo do IRPJ e da CSL; (iii) na permuta realizada por sociedades optantes pela sistemática do lucro presumido, o custo do imóvel entregue na permuta não irá afetar o resultado, de forma que a integralidade da receita deve ser tributada.

Data maxima venia, este entendimento não leva em consideração o critério material da regra matriz de incidência do IRPJ e da CSL, que é a aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de renda ou de proventos de qualquer natureza. Não há que se falar na ocorrência do fato gerador do IRPJ e da CSL em uma operação de permuta de ativos imobiliários, uma vez que há mera substituição nos bens da pessoa jurídica.

A permuta de ativos imobiliários não resulta em qualquer impacto patrimonial, uma vez que o ativo recebido em permuta será registrado pelo mesmo valor do imóvel entregue em permuta. O patrimônio líquido das empresas permanece exatamente o mesmo, sem que se possa cogitar na aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de renda ou de proventos de qualquer natureza.

Via de regra, no curso da atividade imobiliária, a permuta ocorre antes do efetivo início da construção ou da comercialização do estoque (unidades imobiliárias) da pessoa jurídica incorporadora ou construtora. Trata-se de mecanismo para alavancar o início das suas atividades e a potencial geração de caixa. O imóvel recebido na permuta comporá o custo das unidades imobiliárias que serão comercializadas e estará sujeito à tributação apenas com a venda destes ativos, de acordo com a sistemática adotada pela pessoa jurídica.

Pretender exigir o recolhimento de IRPJ e de CSL quando da assinatura do instrumento de permuta (regime de competência) ou quando da transferência do recebimento do imóvel dado em permuta (regime de caixa), como pretende a RFB, constitui verdadeiro absurdo, uma vez que não há, frise-se, aquisição de qualquer disponibilidade jurídica ou econômica de renda.

Apesar de não tratar especificamente da hipótese de permuta imobiliária, as próprias autoridades fiscais já reconheceram por diversas vezes que não incide imposto de renda nas operações de permuta de ativos de natureza e valores semelhantes, em razão da inexistência de aquisição de disponibilidade jurídica ou econômica de renda (Parecer Normativos 504/71 e Parecer PGFN 970/91).

Além disso, o argumento de que a IN 107/88 aplica-se exclusivamente às empresas optantes pela sistemática do lucro real também não deve prosperar, uma vez que, à época da edição da referida instrução normativa, as empresas que desenvolviam atividades imobiliárias sequer poderiam optar pela sistemática de tributação do lucro presumido. Sendo assim, a norma não foi editada com o propósito de restringir a ausência de tributação das operações de permuta às empresas sujeitas à sistemática do lucro real, mas sim com o objetivo de evidenciar o tratamento que deve ser conferido às operações de trocas de ativos de natureza e valores semelhantes (independentemente da sistemática de tributação adotada pelas pessoas jurídicas).

Por fim, o tratamento conferido pelas autoridades fiscais às empresas optantes pela sistemática de tributação pelo lucro presumido configura verdadeira afronta ao princípio da isonomia, uma vez que beneficia as empresas optantes pela sistemática do lucro real, que poderão alavancar as suas atividades sem o gravoso custo tributário incidente no início das operações (momento da permuta).

Este tratamento confere larga vantagem às empresas optantes pela sistemática do lucro real, que, como regra geral, possuem maior faturamento, mais escala e maior acesso a fontes de financiamento. Trata-se de verdadeiro desincentivo ao crescimento do setor e à existência de maior competitividade em um segmento tão crucial para o desenvolvimento econômico do País.

Importante destacar que, com a publicação da Lei 12.973, de 13.5.2014 (“Lei 12.973/14”), as novas regras contábeis emitidas de acordo com o IFRS passam a produzir efeitos fiscais a partir de 2014 (para as pessoas jurídicas optantes) ou em 2015 (para todas as pessoas jurídicas).

Especificamente no que diz respeito à permuta de unidades imobiliárias, a Orientação do Comitê de Pronunciamentos Contábeis nº 01 (“OCPC 01”), estabelece que pode existir o reconhecimento de uma perda ou ganho no momento da permuta dos ativos, tendo em vista a obrigatoriedade de reconhecimento dos ativos e passivos pelo seu valor justo. Não obstante, este ganho ou perda pelo valor justo terá como contrapartida a conta de ajuste de avaliação patrimonial e somente será levado a resultado em obediência ao regime de competência (artigo 182, § 3º, da Lei das Sociedades por Ações - “Lei das S.A.”). Portanto, ainda que exista um ganho decorrente da avaliação a valor justo, este ganho somente deve ser levado a resultado de acordo com o regime de competência.

Neste contexto, a própria Lei 12.973/14 estabeleceu que, “na hipótese de operações de permuta envolvendo unidades imobiliárias, a parcela do lucro bruto decorrente da avaliação a valor justo das unidades permutadas será computada na determinação do lucro real pelas pessoas jurídicas permutantes, quando o imóvel recebido em permuta for alienado, inclusive como parte integrante do custo de outras unidades imobiliárias ou realizado a qualquer título, ou quando, a qualquer tempo, for classificada no ativo não circulante investimentos ou imobilizado”. Em outras palavras, apesar de a regra ser especificamente aplicável à tributação na sistemática do lucro real, a previsão da Lei 12.973/14 corrobora o princípio geral de que o imóvel recebido em permuta integrará o custo de outras unidades imobiliárias e apenas estará sujeito à tributação quando da sua efetiva comercialização.

Conclusão

Em vista do exposto, é possível concluir que tanto na sistemática de tributação existente antes da vigência da Lei 12.973/14, quanto no novo regime tributário, a permuta de unidades imobiliárias por empresas optantes pela sistemática do lucro presumido estará sujeita à tributação apenas no momento da efetiva comercialização das respectivas unidades imobiliárias. Espera-se que o atual entendimento da RFB seja revisto pelos tribunais administrativos e judiciais, de forma a permitir o desenvolvimento deste importante setor da economia nacional.