Aspectos tributários em operações de incorporação imobiliária


 por Albemar de Jesus Cunha
formado em Ciências Contábeis pela UCAM/Universidade Candido Mendes
pós-graduado em Gestão Financeira
Contador atuante
Consultor de Empresa 
 Professor Adjunto da UCAM desde 1982
Raul Penna
formado em Direito
 pós-graduado em Direito Empresarial e em Direito Civil-Constitucional
Advogado e Consultor
Membro do IDCC- Instituto de Direito Civil-Constitucional,
Colaborador da ABDF – Associação Brasileira de Direito Financeiro e Professor Substituto da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

 

 

Resumo: Aspectos jurídicos e contábeis do patrimônio de afetação e a garantia que representa para os adquirentes de unidades autônomas por incorporação imobiliária.

Palavras-chave: Patrimônio de Afetação; Regime Especial de Tributação; Construção; Confiabilidade; Consumidor.

Introdução

A Lei nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964, Lei de Condomínio e Incorporação, surgiu como um marco divisor de águas no regime das incorporações no Brasil, na medida em que trouxe credibilidade e buscou corrigir anomalias que maculavam o instituto e deixavam brechas para inconformidades e insegurança jurídica.

A relação de propriedade entre os povos remete a uma época remota, desde o que se convencionou chamar civilização ocidental, com marcante influência da religião. Todavia a concepção dominial foi enfrentada com maior propriedade com o direito romano, cuja trilogia Propriedade-família-religião [1] a representava até então.

Com a invasão dos bárbaros vieram a insegurança e o receio de violência, daí os indivíduos, para efeito de obterem certa estabilidade, aproximavam-se de um senhor a quem lhes cediam sua propriedade e prometiam servi-lo. Ou seja, em troca da terra recebiam sua proteção.

 A Lei das XII Tábuas trouxe as primeiras noções do ius utendi, ius fruendi et abutendi, onde a concepção romana foi fomentada pelo próprio direito canônico que reconheceu a legitimidade do homem para adquirir bens. No entanto, foi na Idade Média, particularmente com a Revolução Francesa, que o direito de propriedade adquiriu forma e passou a ser entendido como natural e necessário ao homem.

Assim como o Código Civil de 1916, o vigente não definiu, tampouco exauriu o conceito de propriedade, eis que deve permanecer aberto, tal como dispões o art. 1228, caput do atual Código Civil. Cumpre ressaltar que, com o advento da Carta Política de 1988, em seu art. 5º, inciso XXII, a propriedade adquiriu status de direito fundamental. Naturalmente, surgiram algumas limitações ao direito de propriedade, tais como o direito de vizinhança, o meio-ambiente e a necessidade de ser observada a sua função social , art. 5º, inciso XXIII da Constituição da República de 1988.

Do Patrimônio de Afetação

 Ultrapassado o estudo envolvendo a propriedade, nos ateremos aqui, para melhor enfrentar o problema que levou o legislador pátrio a institui o patrimônio de afetação, à uma modalidade de aquisição de propriedade, qual seja: aquisição pelo registro to título, conforme previsão no art. 1.245 do CCB.

 Ocorre que, com o crescimento do mercado imobiliário, aumento da demanda e concretização da confiança sobre os empreendimentos imobiliários com venda de unidades autônomas ainda na planta, surge a Lei nº 10.931 de 02 de agosto de 2004  surgiu, com o propósito corroborar a propalada segurança aos promitentes-compradores, que preenchem o conceito legal de consumidor [2], e agentes financeiros neste segmento de atividade.

 Todavia, a previsão do instituto veio com a Medida Provisória 2.221, de setembro de 2004, embora de forma imprecisa, que não surtiu, ainda, os efeitos desejados e, com a Lei nº 10.931 de 02 de agosto de 2004 passou a ser regulamentado.

 Além disso, foram criados mecanismos de controle e apuração de tributos que viabilizaram melhor operacionalização do acompanhamento das obras e a possibilidade de não serem estes afetados por uma eventual falência ou dificuldade por que possa passar a sociedade incorporadora.

 Isso por que a prática demonstrou que a falta de normas de controle capazes de impor ao Incorporador e Construtor deveres, bem como responsabilidade objetiva pela entrega da obra no tempo avençado, ou até mesmo evitar que eventual crise institucional prejudicasse os promitentes compradores que, como se sabe, já sofreram não só com a perda dos recursos entregues ao promitente vendedor, mas também do próprio imóvel.

Desta forma, com a Teoria da Afetação, as lacunas até então existentes foram tratadas com o art.31-A ao art. 31-F, acrescentados na Lei nº 4.591 de 16 de dezembro de 1964. No tocante ao art. 31-A, seu escopo, consubstanciou-se na segregação do patrimônio do Incorporador daquele constante em determinada Incorporação.

 O setor e a economia clamavam por alterações substanciais, a fim de manter viva aquela modalidade de negócio jurídico que é responsável pela geração de diversos empregos diretos. Com o instituto, no caso de falência da Incorporadora o patrimônio afetado à obra permanece inalterado, ou seja, um patrimônio próprio para cada empreendimento, permitindo-se aos mutuários contratar outra Incorporadora para dar continuidade à obra e até reaver o que já fora despendido.

Nesta linha de raciocínio adveio, em decorrência de notórios cases [3]que marcaram tanto o mercado como a sociedade, a criação empresas específicas para alguns empreendimentos, denominadas SPE (Sociedade de Propósito Específico). No entanto, para os críticos, não constitui garantia de um possível desvio de recursos.

Além disso, abre-se margem para que Construtoras e Incorporadores busquem evadir de suas responsabilidades, isso quando não conseguem obter o CNPJ/CEI de condomínio edilício vinculado à obra para efeito de colocar os trabalhadores da construção civil como se empregados do condomínio fossem, fato que, às vezes, somente é descoberto anos após a entrega da obra e até mesmo da sua garantia legal prevista no art. 618 do CCB. No entanto, tanto este como quaisquer outros vícios ocultos devem submeter-se ao art. 445, caput e parágrafo 1º do CCB.

Já com o patrimônio de afetação, que é de uso facultativo, existem maiores garantias aos mutuários, pois prevê a existência de uma comissão de representantes desde o início da obra, o que dificultará a ocorrência de desvios, até porque o patrimônio do incorporador irá responder pelo empreendimento objeto da afetação.

Assim, o patrimônio da incorporadora responderá pelas dívidas tributárias da incorporação afetada. Significa dizer que os bens e direitos afetados respondem apenas pelas dívidas e obrigações da incorporação e não se comunicam com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio do incorporador.

O que se espera, em termos práticos, além da repercussão positiva na economia, é que este instituto assegure maior segurança aos contratos de compra e venda de imóveis construídos na planta que venham a gerar transmissão de propriedade, bem como tratamento dos juros durante a obra e definição do termo inicial da correção monetária sobre o saldo devedor.

Seguramente, o mais importante no Patrimônio de Afetação é a proteção ao empreendimento sujeito ao RET (Regime Especial de Tributação) [4], quando estabelece que o terreno e as acessões objeto da incorporação imobiliária sujeitas ao regime especial de tributação, bem como os demais bens e direitos a ela vinculados, não responderão por dívidas tributárias da incorporadora relativas ao Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas - IRPJ, à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL, à Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - COFINS e à Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público - PIS/PASEP [5].

Para optar pelo aludido regime e gozar da credibilidade, alicerçada pela crescente política de governança coorporativa, o Termo de Opção deverá ser entregue na unidade da Receita Federal, observada a jurisdição a qual a matriz da pessoa jurídica incorporadora estiver subordinada.

O termo em questão deverá estar acompanhado do termo de constituição de patrimônio de afetação da incorporação, firmado pelo incorporador e, quando for o caso, também pelos titulares de direitos reais de aquisição, e averbados no competente Cartório de Registro de Imóveis.

 A tributação, para cada incorporação submetida ao regime especial de tributação, sujeitará a Incorporadora ao pagamento de percentual da receita mensal, o qual corresponderá ao pagamento mensal unificado dos seguintes impostos e contribuições: IRPJ, CSLL, Contribuições para o PIS/PASEP e COFINS, que gozarão de caráter definitivo e sem direito à compensação ou restituição.

 Conclusão

 Pela leitura do texto entendemos que o PA (Patrimônio de Afetação) traz uma garantia formal e instrumentalizada em lei para os promitentes-compradores, uma vez que os bens e direitos afetados respondem apenas pelas dívidas e obrigações da incorporação e não se comunicam com os demais bens, direitos e obrigações do patrimônio do incorporador. Assim, cada empreendimento constitui um universo patrimonial independente.

A Afetação consiste, basicamente, na individualização dos bens e direitos do empreendimento, passando este a contar com administração financeira específica e singular. Todavia, segundo os críticos seu alcance seria limitado pelo fato de deixar ao arbítrio do Incorporador fazer a opção do empreendimento e submetê-lo ao RET.

 Em verdade, a disposição do legislador, embora louvável quando da instituição do patrimônio de afetação, teve como aspecto negativo a previsão de que o enquadramento no PA tenha como critério único a vontade exclusiva do incorporador e não um mandamento cogente indistinto e amplo.

 Por outro lado, ao Incorporador que desejar potencializar seus negócios deverá, a partir de agora, enquadrar seus empreendimentos no PA, pois não restam dúvidas de que o comprador, hoje exigente e, de certo modo, entendido, buscará, certamente quem ofereça esta garantia.

 Por fim, o enquadramento no PA, além de constituir instrumento de garantia e estímulo da concorrência, simplifica o procedimento de escrituração, apuração e recolhimento de tributos, contribuindo para evitar fraudes e perda de receita.

 

Bibliografia

 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 8. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2002.

 COELHO, Fábio Ulhôa. O Empresário e os Direitos do Consumidor. São Paulo: Saraiva, 1994.

 COELHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009.

 GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro, volume 2: teoria geral das obrigações. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

 GOMES, Orlando. Contratos. 18ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 27. ed. revista, atualizada e ampliada. Brasil: Malheiros Editores, 2006.

 MARQUES, Cláudia Lima. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3 ed. revista, ampliada e atualizada.  Brasil : Editora Revista dos Tribunais, 2010.

 PEREIRA, Caio Mário da Silva. Condomínio e Incorporações. 11ª ed.Rio de Janeiro, Forense. Atualizadores: Sylvio Capanema de Souza e Melhim Namem Chalhub. 2014;

 TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil, volume único. 3ª Ed. São Paulo, Editora Método. 2013;

 



[1]  PEREIRA, Caio Mário da Silva. 11ª ed.Rio de Janeiro, Forense. Atualizadores: Sylvio Capanema de Souza e Melhim Namem Chalhub. 2014; p.05.

[2]  REsp 1300418 / SC, publicado no DJE de 10 de dezembro de 2013.

[3] Decretação da falência da Encol S/A. Engenharia, Indústria e Comércio em março de 1999.

[4]  Instrução Normativa Receita Federal do Brasil nº 934 de 27 de abril de 2009.

[5]Art. 3º da lei nº 10.931 de 02 de agosto de 2004 e Parágrafo Único.