A Inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº. 21/11 e o Futuro da Tributação do E-Commerce.

por Diego Caldas R. de Simone
Associado da área tributária do escritório Pinheiro Neto Advogados
Graduado pela Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Mestre em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
Doutorando em Direito Tributário e Financeiro pela Universidade de Barcelona

 

 

Ao julgar em conjunto as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (“ADINs”) nºs 4.628 e 4.713, propostas respectivamente pela Confederação Nacional do Comércio (“CNC”) e pela Confederação Nacional da Indústria (“CNI”), e o Recurso Extraordinário (“RE”) nº 680.089, com repercussão geral admitida, o Supremo Tribunal Federal declarou, por unanimidade, a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21, de 1º.4.2011 (“Protocolo ICMS nº 21/11”), celebrado por vários Estados do Centro-Oeste, Nordeste e Norte com o intuito de que o ICMS devido nas operações de aquisição de mercadorias de forma não presencial (internet, telemarketing ou showroom), com destino a consumidores finais, fossem repartidas entre os Estado de origem e de destino.

A esse respeito, é importante lembrar que o artigo 155, § 2º, inciso VII, da CF/88 estabelece que nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado será aplicável a alíquota interestadual quando o destinatário for contribuinte do imposto, cabendo ao Estado de destino o montante correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual; ou a alíquota interna, quando o destinatário não for contribuinte dele, devendo o recolhimento do imposto ser realizado exclusivamente em favor do Estado de origem.

No entanto, contrariamente à regra prevista na CF/88, o Protocolo ICMS nº 21/11 determinou que deveria ser aplicada a alíquota interestadual do ICMS mesmo nas hipóteses em que a venda da mercadoria fosse realizada a destinatário final não contribuinte do imposto, o que implicava necessidade do recolhimento do diferencial de alíquota ao Estado de destino. Com base nesse Protocolo, alguns Estados signatários já haviam inclusive editado leis estaduais determinando a imediata aplicação de suas disposições.

A justificativa utilizada para a edição do Protocolo e repetida na defesa da sua constitucionalidade perante o STF pelos Estados interessados é a de que o aumento significativo do comércio eletrônico nos últimos anos fez com que a arrecadação do imposto estadual ficasse concentrada nos Estados mais desenvolvidos, realidade inexistente quando da promulgação da CF/88.

Em vista disso, considerando a substancial e crescente mudança do comércio convencional para essa modalidade de comércio eletrônico, buscava-se com a edição do Protocolo ICMS nº 21/11 um balanceamento com o intuito de preservar a repartição do produto da arrecadação do ICMS nas operações entre as unidades federadas.

Num parêntesis, cabe mencionar que a prescrição do artigo 155, § 2º, inciso VII tinha, de fato, o objetivo de promover a divisão da arrecadação do ICMS, evitando que as receitas tributárias ficassem concentradas apenas nos Estados onde se localizam os estabelecimentos produtores ou distribuidores. No entanto, o expressivo crescimento do comércio eletrônico, imprevisível ao tempo da edição da Constituição Federal, acabou por alterar o quadro da partilha de receitas e repercutir negativamente na arrecadação dos Estados de destino.

Sendo assim, ao menos sob uma perspectiva econômica e de justiça fiscal, os Estados destinatários, completamente alijados da possibilidade de arrecadação nessas situações, encontram-se submetidos a regramento constitucional que não mais se adéqua aos novos tempos. Tal circunstância, no entanto, não altera a inconstitucionalidade material do Protocolo ICMS nº 21/11.

Nesse exato sentido, embora tenham admitido que a sistemática constitucionalmente prevista possa de fato representar concentração de receita nos poucos Estados remetentes (sobretudo da região Sul e Sudeste, em que se localizam grande parte das empresas varejistas distribuidoras), reconhecendo a plausividade do argumento dos Estados signatários do Protocolo sob o ponto de vista econômico e de justiça fiscal, os Ministros da Corte Suprema foram unânimes no entendimento de que a alteração perpetrada pelo Protocolo ICMS nº 21/11 viola o art. 155, parágrafo 2º, inciso VII, da CF.

Exatamente nessa linha, o ministro Gilmar Mendes, relator do RE 680089/SE, afirmou que embora fosse preciso “estabelecer – também em relação às transações virtuais, cada vez mais frequentes – alguma fórmula de partilha capaz de evitar a concentração excessiva de recursos nas unidades federativas de origem e assegurar alguma forma de participação aos Estados de destino, onde se situam os consumidores”, a norma impuganada era – de acordo com as previsões constitucionais em vigor -, inconstitucional.

Como brilhantemente exposto em seu voto “a necessidade de adequação da sistemática de cobrança do ICMS ao significativo crescimento do comércio eletrônico não é suficiente para se reconhecer ao CONFAZ e a uma parcela dos Estados-membros a competência para alterar – revogar, diria –, por meio de instrumento infralegal, a disciplina constitucional de cobrança de partilha do ICMS”.

O Ministro Luiz Fux seguiu caminho semelhante ao afirmar, em seu voto nos autos da ADI 4628, que “em que pese a alegação do agravamento do cenário de desigualdades inter-regionais, em virtude da aplicação do art. 155 § 2º, VII, da Constituição, a correção destas distorções somente poderá emergir pela promulgação de emenda constitucional, operando uma reforma tributária, e não mediante a edição de qualquer outra espécie normativa. Precisamente por não ostentar legitimidade democrática da Assembleia Constituinte ou do constituinte derivado, descabe ao Confaz ou a qualquer das unidades da Federação de forma isolada estipular um novo modelo de cobrança de ICMS nos casos de operações interestaduais quando o destinatário final das mercadorias não for seu contribuinte habitual”.

Assim, até que seja promulgada emenda à Constituição que altere a sistemática atualmente em vigor em relação ao comércio eletrônico, as disposições do Protocolo ICMS nº 21/11 são, à toda evidência e conforme reconhecido à unanimidade pelo STF, inconstitucionais, onerando indevidamente a cadeia operacional e, principalmente, o consumidor final.

Ainda a esse respeito, vale notar que a inconstitucionalidade do Protocolo ICMS nº 21/11 foi declarada não somente com base na ofensa ao art. 155 § 2º, VII, da Constituição, mas também levando-se em consideração que as suas disposições contrariam (i) o artigo 150, IV e V, da CF, que atribuem competência para determinação das alíquotas do ICMS exclusivamente ao Senado, (ii) o princípio do não confisco (na medida em que o protocolo legitima tanto aplicação da alíquota interna na unidade federada de origem como a exigência do diferencial de alíquota pela unidade destinatária), (iii) o artigo 150, V, da CF, que veda restrições ao tráfego de pessoa e bens; e (iv) o artigo 155, § 2º, XII, alínea b, da CF, uma vez que institui hipótese de substituição tributária (o estabelecimento remetente é o responsável pela retenção e recolhimento do ICMS em favor da unidade federada destinatária), o que caberia exclusivamente à Lei Complementar.

Ademais, o STF entendeu que o Pacto Federativo e a Separação de Poderes, erigidos como limites materiais pelo constituinte originário, restariam ultrajados pelo Protocolo nº 21/2011, tanto sob o ângulo formal quanto material, ao criar um cenário de guerra fiscal difícil de ser equacionado.

Adicionalmente, e a par da nossa opinião pessoal no sentido de impossibilidade de atribuição de efeitos prospectivos no caso concreto, registre-se que por maioria de votos os Ministros modularam os efeitos da decisão e determinaram que a declaração de inconstitucionalidade somente será aplicada a partir da data da concessão da liminar na ADI 4628, exceção feita aos contribuintes que já tivessem ajuizado ações para questionar o tema.

Finalmente, vale lembrar que o tema está atualmente em discussão no Congresso Nacional, foro adequado para a realização das alterações intentadas pelo Protocolo nº 21/2011. Atualmente, tramitam na casa legislativa propostas de emenda constitucional que pretendem modificar a sistemática de cobrança do ICMS nas operações e prestações realizadas de forma não presencial e que destinem bens e serviços a consumidor final localizado em outro Estado.

Entre outras iniciativas, foi recentemente aprovado em primeiro turno pela Câmara dos Deputados a Proposta de Emenda Constitucional nº 197/12 (“PEC nº 197/12”), que estabelece período de transição para que o ICMS atualmente cobrado na origem passe a ser exigido de forma partilhada entre os Estados de origem/destino até 2019 e, a partir daí, exclusivamente pelo Estado de destino.

Ainda que não exista nenhuma garantia de que essa será a fórmula definitiva para a resolução do problema, a aprovação dos termos da PEC nº 197/12 com elevada votação favorável indica que, cedo ou tarde, a sistemática de recolhimento do ICMS devido nas operações comerciais eletrônicas interestaduais deverá ser alterada para adequar a Constituição à realidade atual.

Assim, seja em função do reconhecimento da impossibilidade de realizar essa alteração por qualquer outra via senão a da reforma constitucional, seja pelo reconhecimento de que, de fato, a sistemática atual provoca distorções na partilha de receitas do ICMS, a tributação do e-commerce deverá ser alterada muito em breve, desta vez pela via correta.