A incidência das Contribuições PIS/PASEP e COFINS sobre receitas financeiras à luz do Princípio da Não Cumulatividade. Breve análise do Decreto nº 8.426/15.

 por  Renan Cirino Alves Ferreira
Cursando Master in Corporate Finance, Controllership and Economics 
pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (EESP/FGV)
Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)
Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP)
Advogado em São Paulo/SP
Rodrigo Carvalho Samuel
Pós graduando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP/COGEAE)
Graduado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)
Advogado em São Paulo

 

1. Introdução

No dia 1º de abril de 2015 foi publicado o Decreto nº 8.426/15 para revogar expressamente as disposições do Decreto nº 5.442/05, que reduzia zero as alíquotas da contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive decorrentes de operações realizadas para fins de hedge, auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas integral ou parcialmente ao regime da não-cumulatividade e as elevou aos patamares de 0,65% e 4%, respectivamente. 

A elevação das alíquotas das contribuições PIS/PASEP e COFINS integra o conjunto de medidas de ajuste fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda, visando o reequilíbrio das contas públicas, bem como a retomada do crescimento econômico, por meio do aumento da arrecadação. A expectativa da própria Receita Federal do Brasil (RFB), divulgada em Nota Eletrônica[1] é a de que a medida proporcionará aos cofres públicos recursos adicionais na monta de aproximadamente R$ 2,7 bilhões, somente em 2015. 

A despeito dos indicadores que já apontavam para o diminuto crescimento das empresas brasileira neste ano, a medida, que passará a surtir efeitos a partir do dia 1o de julho deste ano, além de elevar a carga tributária das empresas, tornará as operações de crédito mais onerosas e impactará diretamente os contratos já celebrados.

Desta forma, abordaremos brevemente os principais aspectos das inovações trazidas pelo Decreto n. 8.426/15, à luz dos princípios da não cumulatividade.


2.  Incidência das Contribuições PIS/PASEP e COFINS sobre receitas financeiras e o Princípio da não cumulatividade 

A Constituição Federal, em seus artigos 154,I c/c 195, I, ‘b’, §12 outorgou à União a competência tributária para instituição da contribuição social devida pela pessoa jurídica incidente sobre o faturamento e sobre a receita, destinada a financiar a seguridade social, cabendo à Lei dispor sobre os setores de atividade econômicas para os quais a sua incidência será não cumulativa[2].

Nesta esteira, as Contribuições PIS/PASEP e COFINS, em suas modalidade não cumulativas, foram instituídas pelas Leis n. 10.637/02 e 10.833/03, respectivamente, cuja incidência ocorre sobre o total das receitas auferidas pela pessoa jurídica no mês e, consoante a redação atribuída pela Lei n. 12.973/14, compreende a receita bruta e todas as demais receitas com os seus respectivos ajustes a valor presente. As alíquotas estabelecidas pelas Leis são de 1,65% para o PIS/PASEP e 7,6% para a COFINS.

Por outro turno, como se observa nos artigo 1o, §3o, I e VII da Lei n. 10.637/02 artigo 1o, §3o, VIII da Lei n. 10.833/03, ficam excluídas das bases de cálculo das aludidas Contribuições as receitas isentas ou sujeitas a alíquota zero, bem como as receitas financeiras decorrentes do ajuste a valor presente[3].

Sendo assim, a Lei deixou de excluir as demais receitas financeiras da base de cálculo das Contribuições. Entretanto, para os contribuintes, os efeitos econômicos da não isenção acabaram ficando inócuos, por força dos Decretos n. 5.164/04 e 5.442/05, promulgados pelo Poder Executivo com lastro do artigo 27, §2o da Lei 10.865/04, que reduziram a zero as respectivas alíquotas em relação às despesas financeiras, inclusive decorrentes de operações de hedge, com exceção dos juros sobre capital próprio.

Ocorre que com a revogação do Decreto n. 5.442/05 pelo Decreto n. 8.426/15, as receitas financeiras das empresas voltaram a ser oneradas com o incremento das alíquotas das Contribuições PIS/PASEP e COFINS aos patamares de 0,65% e 4%, respectivamente, de maneira que antigas discussões retornaram à pauta, dentre elas, o não atendimento ao principio da não cumulatividade derivado da inexistência de previsão legal expressa para o aproveitamento de créditos em relação às despesas financeiras incorridas pela empresa.

O conteúdo das receitas financeiras pode ser depreendido a partir da legislação atinente ao Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e compreende os juros, o desconto, o lucro na operação de reporte e os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, ganhos pelo contribuinte[4]. Desta feita, por simetria conceitual, as despesas incorridas pela pessoa jurídica a título equivalente, devem ser consideradas como despesas financeiras.

Analisando sistematicamente os artigos 3o das Leis que instituíram as Contribuições, observa-se que estes estipularam as hipóteses em que a pessoa jurídica sujeita à sistemática não cumulativa estão habilitadas a descontar créditos apurados em relação aos custos, despesas e encargos vinculados às receitas. Porém, os referidos dispositivos silenciaram em relação o aproveitamento de créditos sobre despesas de natureza financeira.

Contudo, o legislador ordinário complementando as normas de incidência tributária do PIS/PASEP e da COFINS, por meio do artigo 27, caput, da Lei n. 10.865/04, outorgou ao Poder Executivo a faculdade de autorizar o desconto de crédito relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.

Em congruência com a disposição do caput, o §2o do mencionado artigo 27, também autorizou ao Poder Executivo reduzir e restabelecer, até o limite previsto na Lei, as alíquotas das Contribuições incidentes sobre as receitas financeiras.

Observa-se que o Poder Executivo, motivado pela sede arrecadatória, utilizou-se do Decreto n. 8.426/15 como mecanismo hábil a alimentar os cofres públicos apenas para restabelecer as alíquotas das Contribuições, impondo carga tributária adicional aos contribuintes. Em contrapartida, o mesmo ato normativo infra legal ignorou por completo o princípio constitucional da não cumulatividade, posto que, diante do novo cenário, o mesmo contribuinte que deverá incluir as receitas financeiras auferidas na base de cálculo das Contribuições PIS/PASEP e COFINS, não terá permissão para descontar, em igual proporção e da mesma base de cálculo, possíveis créditos decorrentes de despesas de similar natureza.

Pela interpretação sistemática dos fundamentos jurídicos que sustentam a incidência das Contribuições PIS/PASEP e COFINS sobre as receitas financeiras, observamos que a premissa constitucional básica da não cumulatividade não foi observada, posto que se o Poder Executivo decidiu pela intensificação da tributação, deveria ter se utilizado, em igual medida, do mandamento legal previsto no caput do artigo 27 da Lei n. 10.865/04 de maneira a garantir efetividade ao desconto de créditos derivados de despesas de igual natureza.

 3. Conclusões

Diante do exposto, tem-se que União, no contexto de ajuste fiscal proposto pelo Ministério da Fazenda e a fim de intensificar a atividade arrecadatória de modo a abastecer os cofres públicos, por meio do Decreto n. 8.426/15, optou pelo restabelecimento das alíquotas das contribuições PIS/PASEP e COFINS incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive as decorrentes de operações de hedge, elevando-as aos patamares de 0,65% e 4%, respectivamente.

Entretanto, de acordo com as considerações balizadas acima, verifica-se que o princípio da não cumulatividade das aludidas contribuições, sacramentado na Constituição Federal, não foi plenamente atendido, posto que embora tenha-se criado o amparo legal necessário para determinar as suas incidência sobre receitas financeiras, deixou-se de criar, em igual medida, o arcabouço jurídico necessário para permitir ao contribuinte o desconto dos créditos derivados de despesas de igual natureza.

Por fim, consideramos que as empresas que se sintam prejudicadas poderão questionar a medida judicialmente, especialmente no que diz respeito à ausência de mecanismo capaz de garantir a efetividade da não-cumulatividade por meio da apropriação de créditos sobre despesas financeiras.

 



[1] Nota Explicativa expedida pela Receita Federal do Brasil. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/noticias/ascom/2015/abril/nota-explicativa-sobre-o-decreto-no-8-426-2015. Acesso em: 26/04/2015.

[2] A não cumulatividade foi introduzida por meio da Emenda Constitucional 42/2003.

[3] Art. 183, caput, VIII da Lei 6.404/76.

[4] Art. 17, caput, do Decreto-Lei nº 1.598/77. Decreto n. 3.000/99, art. 373, caput.