Propostas legislativas de alteração do CARF e do Contencioso Administrativo Fiscal: contribuição ao debate

por Raquel Novais
Mestra em Direito Tributário pela PUC/SP
Advogada em São Paulo
Daniel Monteiro Peixoto
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Professor do Programa de Educação Executiva da Direito GV
Advogado em São Paulo

 

1 – Introdução

O presente artigo tem por objetivo suscitar algumas reflexões sobre os projetos de alteração legislativa atualmente em curso perante o Congresso Nacional, no intuito de contribuir para o debate em torno de um aperfeiçoamento do atual contencioso administrativo fiscal. A perspectiva do presente trabalho será eminentemente jurídica, mirando os valores constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência (art. 37, caput, da CF/88), mesmos valores indicados nos considerandos dos projetos em questão.

Dentre as propostas de alteração no atual contencioso administrativo fiscal, destacam-se: (i) a Proposta de Emenda à Constituição (“PEC”) S/N de 2015, de autoria do Senador Ataídes Oliveira (PSDB-TO), atual Presidente da CPI do CARF; (ii) o Projeto de Lei Complementar nº 543 de 2015, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), atual Relatora da CPI do CARF; e (iii) o Projeto de Lei Ordinária nº 544 de 2015, de mesma autoria.

A PEC em referência, pela inserção de novo dispositivo ao art. 37 da CF/88, visa estabelecer a realização de concurso público de provas e títulos para a seleção dos julgadores que integrarão os órgãos de contencioso fiscal da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, estabelecendo a exigência de que os candidatos sejam bacharéis em direito com, no mínimo, 5 anos de experiência na área tributária.

Adicionalmente, altera o art. 180, II, da CF/88, para estabelecer que os pedidos de revisão formulados pela parte vencida, no âmbito do contencioso administrativo federal, sejam analisados diretamente pelo Tribunal Regional Federal, sem apreciação pelo Poder Judiciário em primeira instância. Por fim, estabelece a necessidade de edição de Lei Complementar, no prazo máximo de 90 dias, para regulamentar o contencioso administrativo federal, com vistas à implementar os preceitos antes referidos.

O projeto de Lei Complementar nº 543, de 2015, por sua vez, insere o art. 100-A no Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172, de 1996), estabelecendo a observância obrigatória, pelos órgãos do contencioso administrativo fiscal, dos atos normativos expedidos pela Receita Federal do Brasil. Já o Projeto de Lei Ordinária nº 544, de 2015, altera o art. 33 do Decreto nº 70.235, de 1972, para excluir o efeito suspensivo dos Recursos Voluntários.

Importa analisar, com maior detalhamento, as referidas propostas.

2 – Concurso público para a seleção de julgadores administrativos

a) Considerações preliminares

A PEC que estabelece a necessidade de concurso público para o provimento das funções de julgador perante os órgãos de julgamento administrativo traz, como justificação primeira, os fatos apurados no âmbito da Operação Zelotes, relativos a ocorrência de esquema de corrupção supostamente envolvendo empresas, advogados e servidores públicos federais para alteração do resultado de julgamento em processos relativos a autuações fiscais, no âmbito do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (“CARF”).

Até o momento, não se noticiou o nome dos atores envolvidos em tais episódios, tampouco as providências relativas à individualização, ao afastamento e à punição de tais pessoas. Nesse contexto, parece-nos que as assertivas constantes da justificação acima, inclusive ao afirmar que o órgão foi “absolutamente aparelhado por um esquema criminoso”, incorrem em generalização que desconsidera a seriedade, dedicação e capacidade técnica da maior parte dos profissionais que atuam e atuaram no âmbito do referido órgão, ao longo dos seus 90 anos de tradição.

Que não se criem, em nome de fatos isolados, não delimitados e julgados, generalizações simplistas, e limitadas a imputar as enfermidades diagnosticadas à presença de advogados ativos na composição dos órgãos paritários (como ocorreu com a edição do Decreto nº 8.441/2015, que, na prática, proibiu o exercício da advocacia pelos representantes dos contribuintes perante o CARF) ou, então, à estrutura paritária de composição dos órgãos de julgamento. Por melhores que sejam as instituições, a natureza humana que lhes é ínsita pode ensejar a possibilidade de deterioração.

O debate pelo aperfeiçoamento das instituições deve se focar nos mecanismos de prevenção, identificação e correção dos desvios. E a vida plena das instituições está não somente em serem capazes de atender aos seus objetivos, mas fazê-lo com observância aos seus valores.

b) Atual modelo paritário vs seleção por concurso público

Para que possa ter efetividade, o contencioso administrativo deve ter como atributos a neutralidade e a imparcialidade pois, somente assim, poderá ser aferida a legalidade dos atos administrativos impugnados pelo particular, por eles afetados. A ausência desses elementos comprometeria a tanto a legitimidade como a finalidade do contencioso administrativo, restando aos cidadãos o recurso ao Judiciário, já assoberbado. Há de se recordar, em adição, que a dívida ativa é o único título executivo em nosso ordenamento jurídico que é formatado unilateralmente pelo credor, o que torna ainda mais evidente a necessidade de participação do contribuinte no seu processo de formação prévia.

No âmbito do contencioso administrativo federal, como atualmente configurado, autores como Alberto Xavier identificam alguns elementos que permitem a caracterização da chamada “imparcialidade orgânica” (conceito esse que não se confunde com o de independência orgânica, conforme será melhor explicado mais adiante). Essa imparcialidade reside, basicamente, na diferenciação subjetiva entre o órgão que pratica o lançamento tributário e aquele que o reaprecia em controle de legalidade[1].

Em um primeiro estágio, a imparcialidade orgânica é constatada “pela diferenciação de funções, no âmbito do Fisco, entre órgãos de lançamento e órgãos de julgamento, como as Delegacias da Receita Federal especializadas em julgamento, encarregadas do julgamento de primeira instância das impugnações administrativas de tributos federais”[2]. Observa o autor que, mesmo que estes órgãos estejam vinculados à mesma estrutura orgânica, a Secretaria da Receita Federal do Brasil, não se pode discordar que a especialização funcional é um importante passo no sentido da realização da imparcialidade.

Outro estágio de viabilização da imparcialidade orgânica pode ser verificado justamente na segunda instância administrativa, pelo fato de que o órgão de revisão (no caso, o CARF), deixa de pertencer à mesma organização hierárquica da Secretaria da Receita Federal do Brasil para configurar-se em corpo autônomo, mesmo que também sob a estrutura do Ministério da Fazenda (mesmo órgão do Poder Executivo)[3].

Um elemento adicional da imparcialidade orgânica (um terceiro estágio, podemos dizer) reside justamente na chamada “composição paritária”, visto ser o CARF integrado, em igual número, por funcionários do Poder Executivo e indivíduos indicados pelo setor privado.

O modelo paritário, tal como hoje posto, merece aperfeiçoamentos, mesmo sob o aspecto formal propriamente dito. Chama atenção o fato (já divulgado pelo próprio Presidente do CARF, no site do órgão, sob o título “resultado da consulta pública”) de que uma das sugestões mais recorrentes da sociedade, residia na implementação da chamada “presidência alternada”, modelo presente com sucesso em respeitados Tribunais Administrativos, a exemplo do TIT/SP, pois garante que o voto de qualidade esteja distribuído, de modo equilibrado, entre presidentes-Fisco e presidentes-Contribuintes. A despeito do apelo social, este formato foi rejeitado pelo Ministério da Fazenda, na redação final do RICARF. Além disso, o novo RICARF traz requisitos díspares para a designação de conselheiros: segundo o seu art. 29, a indicação de candidatos a conselheiros, no caso de representantes da Fazenda Nacional, recairá sobre Auditores em exercício no cargo há pelo menos 5 (cinco) anos; no caso de representantes dos Contribuintes, recairá sobre profissionais com no mínimo 3 (três) anos de comprovada experiência em atividades que demandem conhecimento nas áreas de direito tributário, processo administrativo fiscal e tributos federais. Isto para não falarmos da diferença de remuneração entre os indicados pelo Poder Público e aqueles indicados pelo setor privado, em idêntica atribuição.

Seja como for, não se pode negar que a existência de composição paritária (com a representação equilibrada entre Fisco e Contribuinte, como ocorre desde 1925, data de fundação do órgão), ainda que merecedora de aprimoramentos, constitui-se em um terceiro e importante estágio em busca da chamada imparcialidade orgânica, importantíssimo conceito na concretização da própria legitimidade do órgão como instância de controle da legalidade.

O modelo proposto na PEC, em sua parte relativa à realização de concurso público de provas e títulos para a seleção dos conselheiros do CARF, tem seu apelo positivo ao estabelecer mecanismo constitucionalmente legítimo de recrutamento, tendente a prestigiar a isonomia, a meritocracia e a capacidade técnica dos aprovados.

Se não adotados os devidos cuidados, contudo, este modelo pode abalar os elementos de imparcialidade orgânica antes descritos.

Isto porque, da forma em que redigidos os “parâmetros mínimos” a que alude o autor da proposta, apenas o primeiro estágio de imparcialidade orgânica se mostra (implicitamente) assegurado pelo texto constitucional: o de que haverá diferenciação funcional entre órgãos de lançamento e órgãos de julgamento. Sim, pois se o enunciado constitucional trata, precisamente, de órgãos de contencioso fiscal (e alude à concurso publico específico, para o provimento de suas vagas), deixa subentendido que estes terão diferenciação orgânica e especialização funcional em relação aos órgãos de lançamento.

Contudo, o texto da PEC não traça parâmetros que assegurem a existência de um segundo estágio de imparcialidade orgânica, nos moldes acima expostos (referentes ao posicionamento do órgão de contencioso fora da estrutura hierárquica da Secretaria da Receita Federal do Brasil), deixando ao alvedrio do legislador esta determinação.

Nesse passo, já se revela oportuno observar que uma das medidas propostas pela Senadora Vanessa Grazziotin, referente ao PLC nº 543/2015, cuida precisamente de buscar o esvaziamento desse segundo estágio de imparcialidade orgânica, uma vez que, pela alteração do Código Tributário Nacional (inserindo o art. 100-A)[4] subordina a atividade judicante do CARF aos ditames normativos da Receita Federal do Brasil. Na prática, portanto, torna o CARF hierarquicamente subordinado à Secretaria da Receita Federal[5].

Por outro lado – deixando entre parênteses, por ora, o referido PLC nº 543/2015 – a PEC dá margem a interpretação no sentido de que todos os órgãos de contencioso fiscal serão integrados por carreira própria a ser preenchida por bacharéis em direito. Isto significa dizer que, também em primeira instância, deverá ocorrer uma reformulação orgânica e no quadro de julgadores. Portanto, as Delegacias de Julgamento (“DRJ”) não mais poderão ser compostas pelos atuais integrantes, Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil, na medida em que a PEC indica a formação de uma carreira própria, preenchida por “concurso público específico de provas e títulos”. Além disso, é importante recordar que os concursos públicos para a contratação dos atuais Auditores da Receita sequer exigem a condição de bacharel em direito.

Por fim, insta observar que o terceiro estágio de imparcialidade orgânica, atualmente configurado na forma da representação paritária, simplesmente deixa de existir na referida proposta. Assim, para que não haja perda de legitimidade dos órgãos de julgamento enquanto órgãos imparciais de controle da legalidade, é importante que sejam assegurados meios para que os novos integrantes destes órgãos possam atuar com independência funcional.

Aqui, a equação é delicada, pois tanto os órgãos de julgamento administrativo (administração-judicante), como os órgãos de arrecadação e cobrança (administração-parte), pertencem ao mesmo Poder Executivo. Não há, portanto, independência orgânica (conceito diverso da imparcialidade orgânica, antes explorado), pois os órgãos de julgamento não fazem parte de um poder independente, como é o caso do Poder Judiciário. Fosse essa a intenção, os novos órgãos de contencioso fiscal estariam previstos no art. 92 da CF/88 (órgãos do Poder Judiciário), em vez do art. 37 da CF/88, que disciplina genericamente a administração pública.

Como assegurar, então, sem paridade e sem independência orgânica, meios para que os julgadores administrativos atuem com independência funcional? Não sendo membros do Poder Judiciário, é dado que não possuirão as garantias constitucionais da magistratura, insertas no art. 95 da CF/88. Decerto que há garantias inerentes ao serviço público (a exemplo da estabilidade a que alude o art. 41 da CF/88, após cumprido o estágio probatório) que tendem a assegurar certa medida de independência, mas não plena. É preciso que sejam contempladas (idealmente, na própria PEC) garantias semelhantes às da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade, irredutibilidade do vencimento), a fim de assegurar que tais servidores sejam avaliados em seu desempenho funcional com objetividade e neutralidade, imunizando-os de pressões internas ou externas, a fim de que representem autênticos órgãos de controle de legalidade do ato administrativo de lançamento.

3 – Revisibilidade das decisões administrativas diretamente perante os Tribunais Regionais Federais

A PEC já referida também estabelece, em norma de eficácia limitada (condicionada que está à edição de Lei Complementar, a ser editada no prazo de 90 dias da promulgação da Emenda), que os pedidos de revisão formulados pela parte vencida no âmbito do contencioso administrativo federal sejam analisados diretamente pelo Tribunal Regional Federal, sem apreciação pela primeira instância do Poder Judiciário. Confira-se o teor do dispositivo em questão:

“art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: (...)
II – julgar em grau de recurso:
b) os pedidos de revisão formulados pela parte vencida no âmbito administrativo, do contencioso administrativo federal;”

A fórmula adotada não é exatamente inovadora, como pode parecer em um primeiro contato. Na realidade, já constou da Emenda Constitucional nº 7, de 13 de abril de 1977, promulgada por Ernesto Geisel sob a égide do regime excepcional estabelecido pelo Ato Institucional nº 5, logo após decretado o recesso do Congresso Nacional, por força do Ato Complementar nº 102, de 1º de abril de 1977.

Como a EC 7/77 estava sujeita à regulamentação para sua plena eficácia, a normas em questão, nem mesmo naquele período de supressão de garantias constitucionais, chegaram a encontrar aplicação concreta.

A análise da recente PEC com relação a esta fórmula revela fragilidades pelo prisma de sua constitucionalidade. Há nítida supressão de instância, em ofensa ao princípio do duplo grau de jurisdição. A Constituição Federal possui outras hipóteses em que os Tribunais possuem competência originária para o julgamento de dadas matérias, afastando-se a apreciação da lide em primeira instância (art. 102, inc. I, art. 105, inc. I e art. 108, I, da CF/88). Trata-se, contudo, de casos estabelecidos diretamente pelo próprio Poder Constituinte Originário. A supressão de instância por obra do Poder Constituinte Derivado, implica afronta direta à cláusula pétrea do art. 60, §4º, IV, da CF/88, por se tratar de proposta de emenda à constituição tendente a abolir garantia individual.

Ainda no intuito de contribuir para o debate, importa anotar que a formulação incorre em impropriedade técnica ao situar o chamado “pedido de revisão” no inciso II, do art. 108, da CF/88, como se tratasse de uma subespécie de “recurso”. O pedido de revisão em tela possui nítida natureza de “ação anulatória”, de forma que mais precisa seria a sua inserção dentre as hipóteses do inciso I, do mesmo art. 108, da CF/88[6].

Não se trata de recurso pois, mesmo que se confiram aos julgadores administrativos prerrogativas similares às da magistratura (o que sequer consta da PEC), os órgãos de contencioso administrativo permanecerão organicamente vinculados ao Poder Executivo, não podendo ser vistos como uma instância ordinária do Poder Judiciário, justamente por não estar a este vinculados.

Outro tema que exige cautela na sua análise é o estabelecimento de meios que viabilizem uma adequada dilação probatória no âmbito do pedido de revisão, mesmo que processado perante um Tribunal Regional Federal. Não raro, as provas produzidas em âmbito administrativo são insuficientes para a formação do convencimento do órgão jurisdicional, como nas hipóteses em que se entenda necessária a realização de perícia técnica, por expert de confiança do juízo. Justamente esta circunstância foi argutamente constatada por Ada Pellegrini Grinover, quando comentou o análogo modelo da EC 7/77, em artigo antes citado[7].

A ausência de meios que viabilizem a dilação probatória no ambiente do Poder Judiciário, comprometeria o princípio da ampla defesa, representando um grave vício de inconstitucionalidade no modelo que se propõe implementar.

4 – Supressão do efeito suspensivo do Recurso Voluntário

O Projeto de Lei Ordinária nº 544, de 2015, propõe alterar o art. 33 do Decreto nº 70.235, de 1972, para excluir o efeito suspensivo dos Recursos Voluntários. A justificação para esta medida enumera: (i) a qualidade das decisões de primeira instância, proferidas pelas DRJs, mantidas pelo CARF em sua maioria; (ii) lentidão do julgamento do Recurso Voluntário no âmbito do CARF, o que atrasa a execução dos créditos, lançados e confirmados em primeira instância, e; (iii) a ausência de efeito suspensivo em outras situações, a exemplo do recurso hierárquico da Lei nº 9.784/99.

É importante avaliar a referida proposta de supressão do efeito suspensivo à luz das características concretas do processo de constituição e cobrança do crédito tributário. Com a supressão do efeito suspensivo do Recurso Voluntário, os débitos confirmados pela DRJ seguirão diretamente para a inscrição em dívida ativa e ajuizamento da Execução Fiscal. Neste passo, os contribuintes deverão garantir o débito e defender-se em juízo, por meio da competente ação de Embargos à Execução Fiscal. Com isso, sem que os contribuintes tenham exercido qualquer opção, ter-se-á caracterizado, nos termos expressos do art. 38, parágrafo único, da Lei nº 6.830/1980, o instituto da concomitância, que implicara automática desistência do direito de recorrer na esfera administrativa, extinguindo-se, necessariamente, o Recurso Voluntário sem qualquer apreciação de seu mérito pelo CARF.

Esvazia-se, na prática, o direito de defesa pela via do Recurso Voluntário, ou, mais precisamente, o próprio CARF.

O Supremo Tribunal Federal, quando analisou tentativa pretérita do legislativo em mitigar o direito estabelecido no mesmo art. 33 do Decreto nº 70.235/72 (exigência, estabelecida pela Lei nº 10.522/2002, de prévio depósito para a interposição de recurso administrativo), consolidou a orientação de que o direito ao duplo grau de jurisdição administrativa possui assento constitucional (art. 5º, incisos, XXXIV e LV, da CF/88), não podendo ser mitigado por mecanismos transversos (ADI 1.976 e dos REs 388.359, 389.383 e 390.513). Do voto do Min. Joaquim Barbosa, nos autos do RE 388.359, cabe destacar:

“Situados no âmbito dos direitos fundamentais, os recursos administrativos gozam entre nós de dupla proteção constitucional, a saber: art. 5º, incisos XXXIV (direito de petição independentemente do pagamento de taxas) e LV (contraditório)”.

A ausência de plausibilidade e de razoabilidade na justificação exposta no projeto de lei é clara. A mencionada “qualidade estatística” das decisões das DRJs não pode justificar a supressão dos mecanismos de controle recursal. É justamente a existência destes mecanismos, pelos quais as decisões são revistas e debatidas em sessões públicas, que fomenta o aprimoramento da atividade judicante em primeiro grau administrativo. Também não se pode justificar esta supressão em nome da celeridade, como se os fins justificassem os meios.

A celeridade do contencioso administrativo é um valor contemplado no art. 37 da CF/88, quando elenca em seu caput o princípio da eficiência. Ao lado, contudo, da celeridade, o art. 5º, LXXVII (incluído pela EC nº 45/2004), assegura aos litigantes no processo judicial e administrativo a “razoável duração do processo”, comando que traz a nítida mensagem de que o processo deve ter tramitação célere, sem que represente, todavia, qualquer atropelo a direito ou garantia individual. A almejada celeridade deve ser alcançada por  meios como a capacitação dos servidores, o reforço dos quadros e da estrutura de apoio e a otimização dos fluxos procedimentais. Não, porém pela supressão do direito de ampla defesa e de acesso ao duplo grau administrativo.



[1] XAVIER, Alberto. Do lançamento: teoria geral do ato, do procedimento e do processo tributário. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 291.

[2] Idem, ibidem.

[3] Idem, ibidem.

[4] “Art. 100-A. Os atos previstos no inciso I do art. 100 desta Lei são de observância obrigatória em qualquer instância administrativa, independentemente de vinculação do órgão àquele que editou a norma.”

[5] Além disso, ignora que os órgãos de contencioso administrativo são órgãos de controle de legalidade, que nem sempre estará presente nos atos normativos infralegais expedidos pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

[6] Semelhante advertência já foi feita por Ada Pellegrini Grinover ao comentar a EC nº 7/77 (in O Contencioso Administrativo na Emenda nº 7, de 1977. RDP nº 41-42. São Paulo: RT, 1977, pags. 66 e 67).

[7] Idem, Ibidem.