O recurso extraordinário nº 559.937 – a redução da base de cálculo do PIS/COFINS-importação e os efeitos na apuração do ICMS e das próprias contribuições na importação

por Rafael Balanin
Mestrando em Direito Tributário Pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (2003). Advogado da área tributária – TozziniFreire Advogados.

 

Recentemente o Supremo Tribunal Federal proferiu decisão, em sede de repercussão geral, nos autos do Recurso Extraordinário nº 559.937, para declarar a inconstitucionalidade da expressão “acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições”, contida no inciso I do art. 7º da Lei no 10.865/04, que instituiu a Contribuição ao Programa de Integração Social (“PIS”) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (“COFINS”) incidentes na importação de mercadorias.

            Com essa decisão o Supremo Tribunal Federal reconheceu que na base de cálculo do PIS-Importação e do COFINS –Importação não devem ser incluídas as parcelas referentes ao valor dessas próprias contribuições e nem do ICMS, devendo servir como base para o cálculo desses tributos apenas o valor aduaneiro, tal como estabelecido no artigo 149, parágrafo 2, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal.

            Em virtude da existência de discussões que envolvem questões similares, a decisão do Recurso Extraordinário nº 559.937, apesar de ainda não publicada, vem gerando uma série de especulações a respeito de quais seriam os exatos efeitos desse julgamento, especialmente no que se refere à possibilidade de inclusão de tributos na base de cálculo de outros tributos.

            Para evitar conclusões equivocadas, entendemos necessário tentar identificar qual o exato limite da controvérsia analisada no Recurso Extraordinário para, da análise do entendimento que foi aplicado nesse julgado, conseguir indicar possíveis efeitos que poderão advir dessa decisão.

            A discussão objeto do Recurso Extraordinário nº 559.937, como já salientado, diz respeito à inclusão, na base de cálculo do PIS-Importação e do COFINS-Importação, dos valores dessas contribuições, bem como do ICMS. Contudo, o ponto central da disputa consiste no fato de que o artigo 7o, inciso I, da Lei 10.865/04, acrescentou à base de cálculo dos tributos parcelas que não foram originalmente autorizadas pela Constituição Federal, quais sejam, o ICMS incidente na importação, bem como o valor das próprias contribuições:

“Art. 7o A base de cálculo será:

I - o valor aduaneiro, assim entendido, para os efeitos desta Lei, o valor que servir ou que serviria de base para o cálculo do imposto de importação, acrescido do valor do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação - ICMS incidente no desembaraço aduaneiro e do valor das próprias contribuições, na hipótese do inciso I do caput do art. 3o desta Lei; ou (…)” (não grifado no original)

            Ao estabelecer a possibilidade de inclusão do ICMS e das próprias contribuições, a base de cálculo prevista no artigo 7o viola o que dispõe o artigo 149, parágrafo 2, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal, que outorga a autorização constitucional para a instituição e cobrança do PIS-Importação e do COFINS-Importação, permitindo a sua incidência apenas sobre o valor aduaneiro, sem incluir os valores de ICMS e nem as próprias contribuições:

Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
(…)
§ 2º As contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo:
(…)
III - poderão ter alíquotas:
a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro;

            Portanto, é importante ressaltar que a discussão objeto do Recurso Extraordinário em questão não está centrada somente na possibilidade ou não de que a base de cálculo dos tributos inclua o valor do próprio tributo ou de outras obrigações tributárias. O ponto central dessa discussão é se a Constituição Federal, ao estabelecer qual a base de cálculo da incidência das Contribuições Sociais na importação, permitiu a inclusão de novas parcelas além do valor aduaneiro.

            A decisão proferida, tendo em vista o que se pode verificar do extrato do julgamento, reconheceu que a Lei que instituiu a incidência do Tributo não pode desconsiderar os termos expressos da autorização constitucional para sua criação. Assim, nesse caso, se a Constituição autorizou a incidência das Contribuições Sociais sobre o valor aduaneiro, não pode o legislador pretender acrescer a esse montante (valor aduaneiro) a parcela correspondente   às próprias contribuições e ao ICMS incidente na importação.

            Uma consideração que deve ser feita a respeito dessa decisão é que ela não indica, necessariamente, um posicionamento a ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal a respeito de outra importante discussão que de certa maneira encontra paralelo com o caso tratado no Recurso Extraordinário nº 559.937: a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

            Em que pese a possibilidade de considerar que se trata de discussão da mesma matéria, os dois pontos tem diferença considerável, que não pode ser desprezada pelo intérprete. No caso da exigência das Contribuições Sociais na importação, a própria lei instituidora desses tributos estabelece elemento da base de cálculo que não estava expressamente autorizado pela Constituição Federal.

            Já no caso da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS incidentes nas operações realizadas dentro do território nacional, a discussão acerca da possibilidade de sua inclusão está focada na possibilidade de que um tributo, ou seja, parcela recebida que será destinada aos cofres públicos e que não comporá o total de receitas efetivamente auferidas pelo contribuinte, possam ser consideradas na base de cálculo de outro tributo.

            Quer nos parecer que a decisão proferida no Recurso Extraordinário nº 559.937 não representa necessariamente o entendimento que deverá ser adotado pelo Supremo Tribunal Federal para a análise da questão relativa ao Recurso Extraordinário no 559.937, muito embora possa indicar tendência ou precedente favorável para sustentar a inaplicabilidade também da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS.

            Apesar de não representar entendimento a ser automaticamente aplicado para outras discussões similares, a decisão do Recurso Extraordinário nº 559.937 pode gerar outras importantes conseqüências, especialmente no que se refere à apuração dos impostos incidentes na importação. O efeito imediato que pode ser verificado sem qualquer análise mais detalhada é o fato de que a exclusão das parcelas referentes às próprias contribuições, bem como do ICMS, reduzirá o valor devido a titulo do PIS-Importação e da COFINS-Importação.

            Além da redução imediata das Contribuições Sociais incidentes na importação, também é possível identificar que essa redução gerará também redução do próprio ICMS incidente na importação.

            Isso porque, na base de cálculo do ICMS na importação, segundo o artigo 13, inciso V, da Lei Complementar 87/96, devem ser incluídos todos os tributos incidentes na importação. Por conta disso, redução do valor do PIS-Importação e da COFINS-importação gera necessariamente redução do próprio valor do ICMS também incidente na importação.

            Todavia, importante ressaltar que as reduções identificadas deverão ser sopesadas frente à própria sistemática da não cumulatividade, aplicável tanto às Contribuições Sociais quanto ao ICMS, ambos incidentes nas importações.

            Face à sistemática da não cumulatividade, o valor desses tributos incidente na importação poderá ser utilizado como crédito para compensação com parcelas futuras dos tributos, incidentes quando da posterior revenda desses produtos, bem como de eventuais mercadorias que venham a ser produzidas a partir deles.

            Assim, eventual redução do valor do PIS-Importação, da COFINS-Importação e do ICMS reduzirá o montante de créditos de a serem aproveitados pelo contribuinte, para compensação com parcelas desses tributos incidentes nas operações subseqüentes, neutralizando, de certa maneira, a majoração da carga tributária incidente quando da importação do produto.

            Somente naquelas aquisições de produtos que acabarão por não acarretar direito ao crédito é que a exclusão do ICMS e das próprias contribuições da base de cálculo do PIS-Importação e do COFINS-Importação terão um efeito efetivo de redução da carga tributária.

            Por conta disso, eventuais pleitos de repetição de valores indevidamente pagos por conta da declaração de inconstitucionalidade objeto do Recurso Extraordinário nº 559.937  devem levar em consideração o fato de que a recuperação de valores deve ser precedida da comprovação do efetivo ônus financeiro incorrido pelo contribuinte. Caso o contribuinte não consiga demonstrar que não aproveitou créditos correspondentes ao exato valor pago a título do PIS-Importação e COFINS-Importação, não fará jus à restituição.

            Como conclusão, a decisão do Recurso Extraordinário no 559.937, embora signifique posição favorável aos contribuintes, reconhecendo que a base de cálculo do PIS-Importação e da COFINS-Importação estabelecidas pela Lei no 10.865/04 violaram a autorização constitucional para a instituição e cobrança das Contribuições Sociais na importação, deve ser interpretada com cautela, especialmente no que se refere à tentativa de extensão de sua aplicação a temas não completamente conexos a essa discussão, bem como quanto à possibilidade de recuperação de quantias pagas a maior por erro na base de cálculo utilizada.