Fazenda Paulista Expõe Entendimento sobre Alíquota do ICMS

por Douglas Mota
Mestre Em Direito Tributário Pela PUC/SP
Especialista em Direito Tributário Pela PUC/COGEAE
Sócio da Área Tributária do Escritório Demarest Advogados

 

O Estado de São Paulo, buscando uniformizar posição relativa à definição da alíquota interestadual do ICMS, fez publicar, no dia 14/06/13, a Decisão Normativa n.º 1/13, expondo entendimento de que para se definir o percentual a ser aplicado deverá ser verificada individualmente cada uma das operações praticadas e não somente a condição do adquirente.

 A referida Decisão Normativa n.º 1/13 ainda trata, como consequência do entendimento adotado, da situação em que houver, eventualmente, movimentação entre os estoques já registrados, sendo que neste caso para mercadoria ou material recebido para ser utilizado em atividade:

 a) não sujeita ao imposto estadual, mas que acabou destinado à atividade sujeita ao ICMS, a empresa poderá tomar o crédito correspondente a essa entrada, com limitação ao percentual relativo à alíquota interestadual;

 b) pertinente ao ICMS, mas que acabou destinado à atividade não sujeita a esse imposto estadual, a empresa deverá estornar o crédito, sem recolhimento de diferencial de alíquota.

 Inicialmente, convém destacar que, nos termos da legislação do Estado de São Paulo, o ato denominado Decisão Normativa origina-se de propositura feita pela Consultoria Tributária da Secretaria da Fazenda ao Coordenador da Administração Tributária para expedição de ato normativo, em decorrência de uma resposta de interesse geral. Portanto, tal ato pode ser tido como um resposta à consulta, que expõe o entendimento da Fazenda Estadual sob determinado assunto e que deverá ser seguido por seus servidores e observado pelos contribuintes.

 A respeito da definição da alíquota de ICMS para operações interestaduais envolvendo contribuintes, convém lembrar que a Constituição Federal atribui ao Senado Federal o poder para estabelecer tal percentual.

 Atualmente há a recém criada alíquota de 4% (para importados ou com conteúdo de importação superior a 40%, salvo casos previstos na Resolução do Senado n.º 13/12), 7% (quando o remetente está nas Regiões Sul e Sudeste, exceto o Estado do Espírito Santo e o adquirente nas Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste e o Estado do Espírito Santo) e 12% para os demais casos. Entretanto, ainda segundo a Constituição, a alíquota será a interna do Estado remetente, quando o destinatário não for contribuinte.

 Verifica-se, portanto, que para tal definição deve o remetente certificar-se da condição de tal destinatário, ou seja, se contribuinte do ICMS ou não. A este respeito, há quem defenda que importa saber apenas se o destinatário está inscrito no cadastro de contribuintes do ICMS do Estado onde está localizado.

 Contudo, é dominante, nos Tribunais Administrativos Estaduais (como ocorre com o Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo - TIT/SP) a posição no sentido de que a simples inscrição no cadastro de contribuintes não é suficiente. O destinatário deve efetivamente praticar operações sujeitas a tal imposto, pois, do contrário deve ser aplicada alíquota interna do Estado remetente.

 Também é pacífica a posição do Superior Tribunal de Justiça - STJ, sendo que na maioria dos casos as discussões envolvem empresas de Construção Civil, que normalmente estão inscritas no cadastro de contribuintes unicamente para cumprir eventuais obrigações acessórias estaduais (como a emissão de Notas Fiscais), porém, efetivamente não realizam operações sujeitas ao ICMS, já que se dedicam a prestar serviços tributáveis pelo ISS.

Discussão mais complexa é aquela que envolve empresas que realizam ambas atividades, ou seja, submetidas ou não ao ICMS. Como exemplo é situação em que determinada empresa adquire produto que pode ser destinado à revenda ou utilizado como insumo (portanto, envolvido em posterior operação tributada pelo ICMS) e também para prestar serviços exclusivamente tributados pelo ISS.

 É exatamente este ponto que mais se destaca na referida Decisão Normativa n.º 1/13, segundo a qual ao adquirir materiais ou mercadorias deverá ser solicitado expressamente ao fornecedor localizado em outro Estado a segregação das respectivas remessas conforme a destinação prevista para emprego.

 Assim, a aquisição poderá ter dois tratamentos tributários distintos para um mesmo produto, a depender da destinação efetiva. Por exemplo, isto ocorrerá se determinado produto é adquirido tanto para ser revendido (ou industrializado), como para ser utilizado na prestação de serviço exclusivamente tributável pelo ISS.

 Em termos práticos tal entendimento leva à situação em que uma determinada empresa inscrita no cadastro de contribuintes e que, de forma geral, efetivamente, realiza operações tributadas pelo ICMS, somente poderá adquirir produtos com a aplicação da alíquota interestadual (i.e. 4%, 7% ou 12%) se comprovar que o produto adquirido será efetivamente incluído em uma operação subsequente tributada pelo ICMS, ou seja, a verificação será individual.

 A respeito da aplicação da alíquota interestadual na vendas realizadas à empresa que desenvolve atividades sujeitas à incidência do ISS e a outras tributáveis pelo ICMS, destacamos o seguinte trecho da decisão (de 16/12/1999) prolatada pelo Min. Marco Aurélio do Supremo Tribunal Federal, ao negar provimento ao Agravo de Instrumento 242276, interposto pelo Estado de Goiás, que, no mérito, cuidava da exigência do recolhimento de diferencial de alíquotas, por empresa prestadora de serviços de construção civil, gravados pelo ISS:

"(...)

No art. 155, § 2º, inciso VII, da Constituição Federal, nota-se dualidade, a saber: a alíquota interestadual incide quando o destinatário for contribuinte do tributo; a alíquota interna está ligada ao fato do destinatário não ser contribuinte. Pois bem, apenas no tocante à primeira cabe ao Estado da localização do destinatário o imposto correspondente à diferença entre a alíquota interna e a interestadual, conforme dispõe o inciso VII dos referidos parágrafo e artigo. Ora, a instância soberana no exame dos elementos fáticos deixou assentado que as mercadorias foram adquiridas pela Recorrida para emprego em obra contratada.  As construtoras são, de início, contribuintes do ISS. No caso dos autos, tal aquisição objetivou, justamente, o cumprimento do contrato firmado, tendo em conta a obrigação de fazer, a obrigação de construir. Por isso, não se pode cogitar da incidência, na espécie, da regra autorizadora da cobrança, pelo Estado da localização da construtora, da diferença do tributo, considerada a alíquota anterior praticada. A construtora qualifica-se, no caso, como prestadora de serviços, ficando sujeita, por isso mesmo, à incidência do tributo municipal. Hipótese diversa ter-se-ia se as mercadorias adquiridas mediante alíquota diferenciada fossem destinadas a nova circulação, a novo negócio jurídico a envolver mercadoria. Aí sim, seria o caso de enquadramento da regra constitucional viabilizadora da cobrança da diferença. Insista-se: há que se distinguir a situação, perquirindo-se o envolvimento, ou não, de contribuinte do tributo."

 Como se depreender, a rigor, o entendimento adotado no trecho acima está em linha com a referida Decisão Normativa 1/13. Neste caso a caracterização do destinatário como contribuinte deverá ser realizada em relação a cada uma das operações praticadas. O fato de o destinatário estar inscrito no cadastro de contribuintes e realizar operações tributadas pelo ICMS não lhe garante a condição de contribuinte do ICMS quando estiver realizando compras de produtos que serão utilizados em prestação de serviços sujeitos à incidência do ISS.

 A referida Decisão Normativa atende ao seu propósito, ou seja, ser um ato divulgador de entendimento de interesse geral, porém, ainda deixa dúvidas, como por exemplo como comportar tal posição e a apuração do diferencial de alíquotas. Além disso tem o potencial de gerar mais conflitos entre os Estados, na media que tende a limitar a arrecadação daquele onde está o adquirente do bem.

 Ademais, como o posicionamento não está explicito, deixa a administração fazendária paulista de apontar – com a clareza necessária e exigida – quais as formas de comprovação que serão aceitas acerca do efetivo emprego das mercadorias vendidas/remetidas por contribuinte paulista a adquirente/destinatário situado em outra unidade federada para emprego, por esse último, em atividade sujeita ao ICMS ou até mesmo para a segregação das operações, sempre que o adquirente/destinatário exercer atividades mistas, ou seja tributadas pelo ICMS e pelo ISS.

 De todo o modo, possivelmente a fiscalização estadual passará a acompanhar mais de perto as efetivas atividades daqueles que adquirem produtos de contribuintes paulistas, já que somente assim poderão verificar a correção da alíquota aplicada. Portanto, verificar os correspondentes cadastros estaduais ou mesmo CNAES deverá passar a ser uma constante.

 Diante destes fatos, se mostra prudente que os contribuintes paulistas passem a se certificar das efetivas atividades desenvolvidas por seus clientes, de forma a não haver dúvidas da correta aplicação da alíquota interestadual. Criar formas de garantia da efetiva aplicação também se mostra uma importante medida.