International Standard Serial Number: ISSN 2357-9293

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A Cobrança Indevida de ICMS sobre as Atividades de Rastreamento e Monitoramento de Veículos com a Utilização de Serviços de Telefonia Celular

por Daiana da Silva Oliveira
Advogada do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados em Curitiba/PR
Pós-graduada em Direito Tributário pela UniCuritiba
 por Flávio Augusto Dumont Prado
Sócio do escritório Gaia, Silva, Gaede & Associados em Curitiba/PR
Mestre em Direito pela UFPR

INTRODUÇÃO

Na dinâmica das relações comerciais, o transporte de bens e mercadorias, desde os tempos remotos, exige um controle e monitoramento do seu percurso, por duas razões básicas. A primeira corresponde à necessidade de verificar se tais bens e mercadorias chegaram ao destino correto e no tempo esperado. Ou seja, se percorreram o trajeto adequado, se esse trajeto foi percorrido dentro do tempo esperado, se houve algum contratempo em seu itinerário, etc. A segunda razão está intrinsecamente relacionada com a primeira, uma vez que corresponde à necessidade de garantir que tais bens e mercadorias cheguem ao destino correto e no tempo esperado. Daí, a necessidade de proteger os bens e as mercadorias, de vigiá-los por todo o percurso, impedindo furtos e roubos, ou mesmo facilitando a localização dos bens e mercadorias furtados ou roubados.

Nos tempos antigos, tal rastreamento e monitoramento do transporte de bens e mercadorias somente era possível por meio de escoltas. Contudo, com o grande avanço tecnológico vivenciado nas últimas décadas, esse rastreamento e monitoramento do transporte de bens e mercadorias pode ser realizado de forma remota, à distância, por empresas usualmente conhecidas como empresas de Tecnologia de Informação Veicular – TIV’s, dentre as quais, as que se utilizam de serviços de telecomunicação de telefonia celular como equipamento rastreador com sinal codificado.

Neste caso específico das empresas de TIV que se utilizam de serviços de telecomunicação de telefonia celular, para que possam obter as informações sobre o veículo vigiado, essas empresas de monitoramento e rastreamento disponibilizam aos seus clientes um aparelho (que seria o equivalente a um aparelho de telefone) capaz de receber os sinais que são transmitidos (transportados) pelas operadoras de telefonia que detêm toda a infra-estrutura (canais) para a transmissão das informações codificadas (mensagens) entre o veículo do cliente (emissor) e a empresa de monitoramento (receptor).

Desta forma, as informações das prestadoras de serviço de telecomunicação de telefonia celular são fornecidas diretamente às empresas de rastreamento e monitoramento, posto ser ela a tomadora do serviço e, muitas vezes, a proprietária dos equipamentos de recepção, sendo que somente a partir daí que inicia o serviço que elas efetivamente prestam, que se restringe ao processamento de tais informações. Portanto, tais empresas adquirem informações por meio da contratação de serviços de telecomunicação e vendem conteúdo, ou seja, vendem o processamento das informações por ela recebidas, a fim de garantir a segurança e a vigilância do bem monitorado.

Ocorre que, alguns Estados estão entendendo equivocadamente que estes serviços de rastreamento e monitoramento de bens e mercadorias tratam-se de serviços de comunicação onerosos, sujeitos à incidência do ICMS. Contudo, tais serviços não se enquadram no conceito constitucional e legal de prestação de serviço de comunicação sujeitos ao ICMS, bem como há legislação específica impondo a exigência do ISS sobre tais atividades.

ESCLARECIMENTOS SOBRE A PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO

Comunicação, segundo a doutrina[1],pode ser entendida como “o ato de alguém (emissor) transferir (transmitir, emitir, difundir) sons, imagens, símbolos, caracteres, sinais, escritos ou informações em geral (mensagens), por quaisquer meios/métodos a outrem, que é o receptor do conteúdo destas mensagens”.

A prestação de serviço de comunicação, por sua vez, somente ocorre quando o emissor depende de um terceiro para se comunicar com o receptor; sendo que este terceiro é quem presta serviços de comunicação. Tal constatação torna-se extremamente relevante, na medida em que se observa que não há prestação de serviço, quando o emissor se comunica diretamente com o receptor.

Assim, o serviço de comunicação pressupõe que uma terceira pessoa (prestador de serviços) proveja os meios de conexão entre duas pessoas (emissor e o receptor), isto é, mantenha em funcionamento o sistema de comunicação, formado por satélites, linhas de transmissão e outros equipamentos, o qual permite o transporte de dados e informações.

Em resumo, o serviço de comunicação consiste no provimento dos meios para que a comunicação se efetive (processo de transportar uma mensagem do emissor ao receptor). O prestador do serviço de comunicação, portanto, não participa da comunicação.

Conclui-se, pois, que o prestador do serviço de comunicação é aquele que provê e mantém em funcionamento a infraestrutura necessária para que a comunicação ocorra, ou seja, os meios para a transmissão, emissão, recepção, repetição, geração e ampliação da comunicação. Tal infraestrutura é composta por linhas de transmissão, antenas, estações, satélites, entre outros equipamentos que permitam o transporte de dados e informações. De acordo com o glossário da Anatel, tal estrutura é designada como rede de telecomunicações.

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, determina em seu art. 21, inc. XI, com a redação dada pela EC nº 08/1995, que compete à União Federal “explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais”.

Portanto, de acordo com expressa previsão constitucional, os serviços de telecomunicação somente podem ser praticados pela União Federal ou por quem tenha obtido autorização, concessão ou permissão para o desenvolvimento de tais atividades.

Adicionalmente, depreende-se do dispositivo constitucional acima citado, que se trata de uma norma de eficácia limitada, posto que a exploração dos serviços de telecomunicação deve respeitar a legislação especificamente criada para tratar deste tema.

Neste sentido, foi editada a Lei nº 9.472/97, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações, que dispõe sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento do órgão regulador (ANATEL) e trata de outros aspectos institucionais, definindo claramente o que é serviço de telecomunicação em seu art. 60.

Da leitura do referido artigo tem-se que somente o “conjunto de atividades” que constituam causa necessária e suficiente para ofertar a transmissão, emissão ou a recepção de sinais de informação, independentemente do resultado, podem ser considerados serviços de telecomunicação. Portanto, tem-se que o objetivo primordial, ou seja, a atividade-fim dos serviços de telecomunicação é a oferta de telecomunicação por meio de transmissão, emissão ou recepção de dados de qualquer natureza, por processos eletromagnéticos.

Adicionalmente, o art. 61 da Lei nº 9.472/97 afastou do conceito de serviços de telecomunicação todas aquelas atividades acessórias ou complementares ao conjunto, que tenham a finalidade de facilitar, suplementar ou otimizar qualquer uma das etapas (transmissão, emissão ou recepção).Assim, todas aquelas atividades e serviços que tenham a finalidade de facilitar o processo de telecomunicação, tornando-a mais rápida ou acessível de formas diferenciadas, ou que pretendam armazenar, processar, movimentar, recuperar as informações fornecidas pelo processo de telecomunicação, ou que lhe dê simplesmente suporte, são atividades consideradas como serviço de valor adicionado.

Ora, se a atividade fim da prestação de serviço de telecomunicação é simplesmente a oferta de transmissão, emissão e/ou recepção de sinais de informação, todas as demais atividades ou serviços que complementem ou suplementem este conjunto, correspondem a atividade-meio ou serviço-meio. Por esta razão, não se confundem com a prestação de serviço de telecomunicação e são considerados pela legislação como serviços de valor adicionado.

 OS SERVIÇOS DE COMUNICAÇÃO PASSÍVEIS DE INCIDÊNCIA DO ICMS

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, II, delegou aos Estados e ao Distrito Federal a competência para instituir o ICMS sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, cabendo à lei complementar a regulamentação dos critérios relacionados à incidência desse imposto.

Nesse tocante, a LC 87/96, em seu art. 2º, inc. III, estabelece que o imposto em questão incide sobre as prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza. Segundo a LC 87/96, o fato gerador do ICMS não é a comunicação pura e simples, mas sim a prestação de serviço de comunicação, de maneira onerosa.

Sendo assim, o serviço que não é prestado de forma onerosa e que não é considerado pela legislação específica como serviço de comunicação não é passível de incidência do ICMS.

Neste contexto e sabendo-se que a prestação de serviço de comunicação consiste na atividade de colocar à disposição de terceiros os meios necessários à transmissão e recepção de mensagens, somente é passível de incidência do ICMS o que for considerado atividade-fim da prestação do serviço de comunicação.

Desta afirmação, pode-se concluir que não podem sofrer a incidência do ICMS (i) todos os demais serviços praticados como atividade-meio da prestação do serviço de comunicação, bem como (ii) todos aqueles serviços que não possuem como atividade-fim a prestação de serviço de comunicação[2].

O próprio art. 61 da Lei nº 9.472/97 reforça claramente essa conclusão, na medida em que afasta do conceito de serviços de telelcomunicações todas aquelas atividades acessórias ou complementares ao conjunto, que tenham a finalidade facilitar, sumplementar ou otimizar qualquer uma das etapas (transmissão, emissão ou recepção), conforme demonstrado no capítulo anterior.

A LEI COMPLEMENTAR Nº 116/2003

De acordo com o art. 156, inc. III, do Texto Constitucional cumulado com o art. 145, inc. I, e o art. 146, I, aos Municípios cabe o direito de tributar todos os serviços que não são de competência dos Estados, quais sejam, os serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e os serviços de comunicação, sendo que todos os demais serviços, contanto estejam previstos em lei complementar, são passíveis de incidência do ISS.

Neste sentido, os Municípios, ao instituírem o ISS, devem respeitar as diretrizes impostas pela Lei Complementar nº 116, de 2003, a qual define os parâmetros do imposto em comento, estabelecendo seus aspectos e elencando taxativamente os serviços sobre os quais o ISS incide.

Dentre os diversos serviços elencados no Anexo da Lei Complementar nº 116/2003 passíveis de incidência do ISS, constam no item 11.02 os serviços de “vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”. Apresentado de forma genérica, tal item permitiu aos Municípios a cobrança do ISS sobre quaisquer serviços de monitoramento de bens, independentemente da modalidade de monitoramento praticada, bem como independentemente de quais sejam os bens monitorados.

Desta forma, a pretensão de alguns Estados de exigir o ICMS sobre serviços constantes na lista da Lei Complementar nº 116/2003, que dispõe sobre a incidência do ISS, implica em manifesta invasão de competência tributária, dirimível apenas por meio de lei complementar.

Justamente para evitar esse tipo de situação, o §2º do art. 1º da Lei Complementar nº 116/2003, pretendendo sanar qualquer conflito de competência, dispõe expressamente que “ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias”.

De acordo com o dispositivo acima, uma vez incluídos os serviços de monitoramento de veículos na lista anexa da Lei Complementar nº 116/2003, não há que se falar em incidência do ICMS sobre tais atividades, sendo elas tributadas exclusivamente pelo ISS.

 CONCLUSÃO

Como já visto, o papel do serviço de monitoramento é dificultar o roubo ou furto do bem ou da carga, tal como um serviço de vigilância comum. O fato de esta atividade ser efetuada de maneira eletrônica, por meio de serviços de telecomunicação e programas de computador, não lhe retira a essência.

Tanto que, ainda que essas empresas optem por manter uma estrutura própria de radiofrequência, isto não significaria que elas passariam a prestar serviço de telecomunicação, na medida em que elas seriam a única usuária de tal estrutura e ninguém presta serviço a si próprio. Podemos traçar um paralelo com uma cooperativa de taxis que utiliza equipamentos de radiofrequência para realizar a comunicação entre as diversas viaturas e uma estação base, sendo que tal circunstância não a torna uma prestadora de serviços de comunicação.

Portanto, é evidente que as empresas que prestam serviço de rastreamento e monitoramento de veículos com a utilização de serviços de telefonia celular são meras usuárias dos serviços de comunicação, como forma de viabilizar o serviço de monitoramento de veículos por elas vendido.

Em outras palavras, os serviços de comunicação são utilizados pelas empresas que prestam serviço de rastreamento e monitoramento de veículos como subsídio/meio para a prestação da sua atividade-fim, que nada tem a ver com a prestação onerosa dos serviços de comunicação, já que estes, no caso em apreço, são executados exclusivamente pelas operadoras de telefonia.

Trata-se, portanto, de situação semelhante aos serviços terceirizados de call center, nos quais a empresa contratada atende ou realiza ligações telefônicas em nome da contratante, utilizando-se para tanto dos serviços de telecomunicação prestados pelas operadoras de telefonia. Na prestação de serviços de call center, embora seja evidente a existência de uma relação comunicativa, não há dúvidas de que a sua atividade-fim não é a prestação de serviço de comunicação, mas sim de serviço completamente distinto, tributável pelo ISS.

Outra situação similar é a que ocorre com os escritórios de advocacia que disponibilizam em site próprio, aos seus clientes, as informações referentes aos processos que estão sob sua responsabilidade. Neste caso, também é evidente a existência de uma relação de comunicação. Contudo, haja vista que a atividade-fim neste caso é a prestação de serviços de advocacia, presente na lista de serviços sujeitos à incidência do ISS, não há a configuração da prestação onerosa de serviços de comunicação e, portanto, não há a incidência do ICMS sobre os serviços do escritório de advocacia.

Torna-se claro, então, que o serviço vendido pelas empresas que prestam serviço de rastreamento e monitoramento de veículos não é de comunicação, embora dependa dela. Isto porque, os clientes destas empresas não pretendem adquirir comunicação.

Em suma, as atividades desenvolvidas pelas empresas que prestam serviço de rastreamento e monitoramento de veículos correspondem ao tratamento e à manipulação das informações recebidas por meio dos serviços de telecomunicação de telefonia móvel celular contratado pela própria empresa de rastreamento e monitoramento de veículos e para quem as informações são efetivamente emitidas.

Ademais, é oportuno destacar que o ICMS decorrente do serviço de comunicação prestado pelas empresas de telefonia às empresas de rastreamento e monitoramento de veículos, é pago pelas próprias empresas de telefonia. Ou seja, o serviço de comunicação oneroso realizado pela prestadora de serviços de telefonia foi submetido à incidência e ao recolhimento do ICMS, não havendo qualquer motivo que implique em nova tributação do mesmo fato gerador.

Os serviços de monitoramento de veículos e cargas também não poderiam ser caracterizados como serviço de telecomunicação, já que, diferentemente do que restou esclarecido anteriormente, independem de autorização, permissão ou concessão por parte da União Federal, conforme disposto no art. 21, XI da CF/88.

Adicionalmente, conforme já demonstrado, a Lei nº 9.472/97 não dá margens a dúvidas, considerando apenas como serviço de telecomunicações o conjunto de atividades necessárias e suficientes para ofertar a transmissão, emissão ou a recepção de sinais de informação, considerando como serviço de valor adicionado, que com aquele não se confunde, nos termos do seu art. 61, todas as demais atividades que lhe sejam complementares ou suplementares, como ocorre com a disponibilização de equipamentos para o monitoramento de veículos e cargas.

Por fim, afastando qualquer pretensão dos Estados de exigirem o ICMS sobre os serviços de rastreamento e monitoramento de bens e mercadorias, há o disposto na LC nº 116/2003, a qual define os parâmetros do ISS, estabelecendo seus aspectos e elencando taxativamente os serviços sobre os quais este imposto incide, dentre os quais constam no item 11.02 os serviços de “vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas”.

Desta forma, qualquer pretensão dos Estados de exigir o ICMS sobre serviços constantes na lista da LC nº 116/2003, que dispõe sobre a incidência do ISS, implica em manifesta invasão de competência tributária, dirimível pelo disposto no §2º do art. 1º da própria LC nº 116/2003, segundo o qual uma vez incluídos os serviços de monitoramento de veículos na lista anexa da Lei Complementar nº 116/2003, não há que se falar em incidência do ICMS sobre tais atividades, sendo elas tributadas exclusivamente pelo ISS.



[1] LUIZ ROGÉRIO SAWAYA BATISTA A Prestação de Serviço de Comunicação, a Cessão de Direitos e a Locação de Meios Físicos.  Revista Dialética de Direito Tributário n° 75, dez./2001, p. 121.

[2] Também defendendo este entendimento, podemos citar: Roque Antonio Carrazza (ICMS. 10ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 168) e Luiz Rogério Sawaya Batista (A Prestação de Serviço de Comunicação, a Cessão de Direitos e a Locação de Meios Físicos. Revista Dialética de Direito Tributário n° 75, dez./2001, p. 126).