International Standard Serial Number: ISSN 2357-9293

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Não Incidência do ICMS nos Serviços de Monitoramento e Restreamento de Veículos

por Hugo Funaro
Advogado
Sócio do escritório Dias de Souza Advogados Associados
Mestre em Direito Econômico e Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo

 

O ICMS recai, entre outras materialidades, sobre as “prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;” (LC 87/1996, art. 2º, III). É cediço que só existe prestação onerosa de serviço de comunicação quando um terceiro viabiliza a comunicação entre duas pessoas, mediante retribuição.[1]

Nada obstante, os Fiscos Estaduais têm tentado incluir no campo de incidência do ICMS atividades que utilizam como suporte, mas não se confundem com o serviço de comunicação propriamente dito e que é tributável pelo imposto estadual. A Constituição Federal, porém, define precisamente os campos de incidência passíveis de serem explorados por cada ente tributante em matéria de impostos, de modo que não podem eles, por via interpretativa ou analógica, alargar a sua competência.[2]

É nesse contexto que se põe o exame da incidência do ICMS sobre a atividade de monitoramento e rastreamento de veículos. O que fazem as empresas prestadoras desse tipo de serviço (as chamadas TIVs – empresas de Tecnologia Veicular) é localizar e, sendo o caso, desativar, veículos automotores, em caso de sinistro (furto, roubo). Para tanto, emitem sinais eletrônicos de sua central. Algo como um “controle-remoto” de longo alcance. À toda evidência, isso não implica serviço de comunicação. Afinal, as atividades desenvolvidas pelas TIVs não viabilizam a comunicação de um indivíduo com outro.

Na realidade, as TIVs são usuárias de serviços de (tele)comunicação, prestados pelas operadoras habilitadas pela ANATEL. São essas operadoras que viabilizam o envio dos sinais emitidos pela central das TIVs e que permitem o monitoramento e o rastreamento dos bens de seus clientes. Além disso, as TIVs se comunicam com seus clientes através de linhas telefônicas também disponibilizadas pelas operadoras de telefonia. Ou seja, as TIVs utilizam serviços de comunicação. Mas não os prestam.

Há orientação oficial da ANATEL nesse sentido, em resposta a consulta formulada pela Gristec – Associação Brasileira das Empresas de Gerenciamento de Risco e de Tecnologia de Rastreamento e Monitoramento, como se verifica abaixo:

“(...) no caso do modelo regulatório proposto, pode-se dizer que, caso não haja alteração, o mesmo é aderente à vigente Regulamentação da Anatel, com as empresas TIV atuando em sua atividade fim, utilizando o SMP para proveito próprio como insumo para a prestação da atividade de rastreamento e bloqueio, não havendo, desde que seguidos os procedimentos acima descritos, como a contratação de Plano de Serviço específico para fins de rastreamento e bloqueio, confusão entre sua atividade, a prestação de Serviços de Telecomunicação, a ´revenda de tráfego´ ou outros tipos de exploração de SMP por meio de rede virtual”.  

Como reconhece o órgão federal competente para regular o setor de (tele)comunicação, as TIVs utilizam o serviço de comunicação prestado pelas operadoras habilitadas pela Anatel em proveito próprio, como insumo para desenvolver as atividades de monitoramento e rastreamento de veículos. Elas não são, pois, prestadoras de serviço de (tele)comunicação, sendo-lhes vedado prestar qualquer tipo de serviço desta natureza. Quer dizer, as TIVs não poderiam prestar serviços de (tele)comunicação, sob pena de cometerem ilegalidade.

Portanto, resta claro que as atividades desenvolvidas pelas TIVs restringem-se ao monitoramento e ao rastreamento de veículos, sendo os serviços de (tele)comunicação prestados por terceiras empresas mero insumo para a sua atividade-fim, inviabilizando a tributação pelo ICMS, por não se configurar a sua hipótese de incidência (prestação onerosa de serviços de comunicação), na esteira da orientação externada pelo Superior Tribunal de Justiça quando do julgamento do leading case dos provedores de internet, que, a exemplo das TIVs, são usuários de serviços de telecomunicação.[3]

Em abono ao exposto, a Lei Complementar nº 116/2003, que define os serviços alcançados pelo ISSQN, nos termos do art. 156, III, da Constituição Federal[4], inclui no campo de tributação dos Municípios os serviços de segurança patrimonial, tais como aqueles prestados pelas TIVs, que permitem a vigilância e a recuperação de bens dos clientes, no caso de furto ou roubo.[5] Confira-se o item 11.02 da lista de serviços:

“11 – Serviços de guarda, estacionamento, armazenamento, vigilância e congêneres.

11.01 – Guarda e estacionamento de veículos terrestres automotores, de aeronaves e de embarcações.

11.02 – Vigilância, segurança ou monitoramento de bens e pessoas.

11.03 – Escolta, inclusive de veículos e cargas.”

A inclusão de determinado serviço na lista de serviços tributáveis pelo ISSQN, ao mesmo tempo em que afirma a competência tributária dos Municípios, exclui a de outros entes tributantes para cobrar imposto sobre idêntica materialidade, mesmo porque também é função da lei complementar dirimir conflitos de competência (CF, art. 146, III)[6].

Vale dizer, “a lei complementar, portanto, que definirá os serviços sobre os quais incidirá o ISS tem por finalidade, sobretudo, afastar os conflitos de competência, em matéria tributária, entre as entidades políticas que compõem o Estado Federal brasileiro.” (STF – 2ª Turma - RE 361.829/RJ – Rel. Min. Carlos Velloso – J: 13/12/2005 – destacamos).

Assim, ainda que houvesse dúvida quanto à incidência do ICMS ou do ISS sobre a atividade de monitoramento e rastreamento, seria de rigor levar-se em consideração, para solucionar o potencial conflito de competência tributária, “a lista de serviços expressamente previstos na LC 116/03. Se o serviço envolvido na operação estiver compreendido nessa lista, incide o ISS, caso contrário, incide o ICMS.” (STJ - 2ª Turma – RESP 1.064.634/SC – Rel. Min. Castro Meira – J: 03/08/2010)[7].

Em conclusão, além de não caracterizarem prestação onerosa de serviços de comunicação, a lei complementar competente sujeita a atividade de monitoramento e rastreamento de veículos somente ao ISSQN. É descabida, portanto, a exigência do ICMS na hipótese.



[1] Confira-se o entendimento exarado no RESP 402.047/MG: “1. Há ´serviço de comunicação´ quando um terceiro, mediante prestação negocial-onerosa, mantém interlocutores (emissor/receptor) em contato "por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza.” (STJ - 1ª Turma – Rel. Min. Humberto Gomes de Barros – J: 04/11/2003).  Como expõe Roque Antonio Carrazza:“ (...) não é a simples circunstância de uma pessoa comunicar-se com outra que faz nascer a obrigação de pagar ICMS, mas sim o fato de alguém prestar a terceiro, remuneradamente, o serviço de comunicação em tela. Assim, se a comunicação for feita pelo próprio prestador (transmissão de mensagem própria) não haverá a incidência do ICMS, porque estará configurado um auto-serviço”, sendo certo, todavia, que “não há, nos quadrantes do Direito, serviço para si próprio.” (ICMS. São Paulo: Malheiros, 2009, 13 ed., p.178, 182 e 192).

[2] Essa a razão de ser do art. 108, §1º e (“ O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei”) e do art. 110 (“A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributária”) do CTN.

[3] “(...) O serviço prestado pelo provedor de acesso à Internet não se caracteriza como serviço de telecomunicação, porque não necessita de autorização, permissão ou concessão da União, conforme determina o artigo 21, XI, da Constituição Federal.

Não oferece, tampouco, prestações onerosas de serviços de comunicação (art. 2º, III, da LC n. 87/96), de forma a incidir o ICMS, porque não fornece as condições e meios para que a comunicação ocorra, sendo um simples usuário dos serviços prestados pelas empresas de telecomunicações.

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O serviço prestado pelos provedores de acesso à Internet cuida, portanto, de mero serviço de valor adicionado, uma vez que o prestador se utiliza da rede de telecomunicações que lhe dá suporte para viabilizar o acesso do usuário final à Internet, por meio de uma linha telefônica.

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Como a prestação de serviços de conexão à Internet não cuida de prestação onerosa de serviços de comunicação ou de serviços de telecomunicação, mas de serviços de valor adicionado, em face dos princípios da legalidade e da tipicidade fechada, inerentes ao ramo do direito tributário, deve ser afastada a aplicação do ICMS pela inexistência na espécie do fato imponível.”

(STJ – 1ª Seção – ERESP 456.650/PR – Rel. Min. Franciulli Netto – J: 11/05/2005 - destacamos)

[4]Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

............

III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”

[5] Nesse sentido é a orientação da Coordenação-Geral do Sistema de Tributação – COSIT, órgão consultivo máximo da Receita Federal do Brasil, esclareceu: “EMENTA: MONITORAMENTO E BLOQUEIO DE VEÍCULOS. SERVIÇOS DE SEGURANÇA. RETENÇÃO NA FONTE. Para efeito da retenção da COFINS a que se refere o art. 30 da Lei nº 10.833, de 2002, consideram-se serviços de segurança os serviços de monitoramento de veículos à distância.” (Solução de Divergência nº 10/08 – J: 24/03/2008).

[6]Art. 146. Cabe à lei complementar:

I - dispor sobre conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

II - regular as limitações constitucionais ao poder de tributar;

III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: (...)”

[7] O §2º do art. 1º da LC 116/2003 assim dispõe: “§ 2o Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto Sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.”